Enfim, algo a comemorar
ETA Vitória Régia começa a operar em fase de testes. Unidade está operando com uma carga de 250 litros de água por segundo.
(Jornal Cruzeiro do Sul -- pag. A4 -- 24/03/2021)
Uma das cenas mais antigas, guardadas no acervo da minha memória, é o abastecimento de água potável para a família. Morávamos em pleno centro comercial da pequena Indaiatuba. O quintal era grande, mas não tinha poço. Nem poderia ter. Nele ficava a fossa usada para os excretas e, para captar água de potabilidade confiável, necessitaria distância acima de trinta metros entre a “casinha” e a cisterna.
A um quarteirão e meio da casa havia uma torneira pública. O prefeito, com recursos do próprio bolso, mandara captar água de um córrego e bombeá-la para uma caixa na parte mais elevada da cidade. Dessa caixa, rede distribuidora conduzia o líquido para chafarizes instalados nas principais esquinas. Servia ao banho de bacia, à lavagem do chão, das roupas, das louças e para cozinhar alimentos. Como os adultos trabalhavam, crianças faziam com que água das bicas públicas chegasse às casas. Usavam toscos carrinhos feitos com caixotes de querosene, com roda na frente e dois braços de madeira pregados nas laterais. Portavam duas latas (ex-querosene) de vinte litros. Caçula, 5 ou 6 anos, eu acompanhava minhas irmãs na faina.
Complicado era encher a tina da água para beber. Colocado num canto fresco da cozinha, o recipiente era dotado de tampa e caneca de ágate. Essa água especial era coletada no Chafariz, nascente ao fim da via transversal à que morávamos. Trilha levava à grota. Cuidadosamente protegido por vegetação e pedras, o barranco jorrava generosa água pura e cristalina. Na área ao redor, plana e pavimentada, ficava a fila dos aguadeiros. Usavam carrinhos e recipientes levados a braço ou sobre a cabeça.
Descer com o carrinho-pipa vazio, era brincadeira. Às vezes, minhas irmãs até me deixavam empurrá-lo, razão pela qual eu as acompanhava. O problema era a volta morro acima. Lúcia, Dolores e Nena revezavam-se no esforço, com direito a várias paradas. Por sorte, o estoque de água da bica durava quatro ou cinco dias. Passados 85 anos, o chafariz hoje um fio d’água continua como atração do Parque Ecológico de minha cidade. O caminho tosco que chegava até a preciosa fonte, hoje é oficialmente uma rua. Rua Christiano Steffen, meu pai.
Um ano de susto e reclusão, mesclado a medo e indignação -- sem nenhuma intenção de abuso de paupérrimas rimas pobres terminadas em “ão” -- me desanimam ao assistir televisão. Más notícias às mancheias. Mas, nesta semana, consegui pescar alguma coisa boa entre os borbotões de desgraça. O Governo de São Paulo acena com a possibilidade de, com ajuda do empresariado consciente, extirpar a fedentina e criar um bioma ciliar revigorado nas margens do Pinheiros. O Tietê, mais complicado, fica pra mais tarde. Como único efeito colateral benéfico, junto e misturado aos estragos que a Covid vem fazendo em nosso Estado, a diminuição da atividade econômica trouxe melhora na qualidade das águas do Anhembi. Em Salto, o Jundiaí e o Tietê, rios onde pesquei e aprendi a nadar, mostram sinais de recuperação.
Em Sorocaba, a ETA do Parque Vitória Régia, em fase de testes, será a única estação de tratamento de água na América Latina a utilizar tecnologia inovadora a base de ozônio, tecnologia que garante altíssimo nível de pureza da água. O nosso rio, graças a um trabalho acima de políticos e partidos, começa a doar sua recuperada água para diminuir a demanda à Itupararanga.
O 22 de março foi separado pela ONU para alertar as nações sobre a importância da preservação da água na sobrevivência de todos os ecossistemas do planeta. Sorocaba está de parabéns. Bela forma de comemorar o Dia Mundial da Água!