Filmes da Netflix: ’Assunto de família’

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“Assunto de família”: o caminho da superação de Shota e de queda da pequena Yuri na solidão. Crédito da foto: Divulgação

“Assunto de família”: o caminho da superação de Shota e de queda da pequena Yuri na solidão. Crédito da foto: Divulgação

Nildo Benedetti - nildo.maximo@hotmail.com

O Japão está entre os 20 países de maior Índice de Desenvolvimento Humano (IDH) e o índice de Gini, medidor da igualdade social, colocando o país abaixo apenas de Hungria e Dinamarca.

“Assunto de família” põe foco na parcela dos japoneses que vive na pobreza e na ilegalidade, mas é seduzida pelos produtos oferecidos pelo mercado. São membros de uma família que retira sua renda do trabalho precário e de pequenos furtos de alimentos e objetos diversos para uso próprio ou para venda. Ao longo do filme, vamos descobrindo que entre eles existe pouco parentesco de sangue e que família foi casualmente sendo montada por necessidade ou por interesse.

O ser humano necessita de meios de sobrevivência e de ter um significado para o outro. Essa ambivalência rege as relações da família do filme. A necessidade de ajuda de uns aos outros faz que a família se mantenha solidária e entre seus membros existe real afeto e companheirismo. Mas, quando a necessidade de sobrevivência, representada pelo dinheiro, entra em cena, as bases sobre a qual se apoiam as relações passam por uma acomodação. A consequência desse fato é que a família, como todas as famílias, funciona por regras próprias que são incompreensíveis até mesmo para a polícia e o serviço social que tratará das crianças. Seus integrantes têm as forças e as fraquezas que encontramos, em maior em menor grau, em todos os seres humanos, mas apenas falarei brevemente sobre as duas personagens infantis, Shota e Yuri.

Um modo interessante de ver o filme diz respeito à reconstrução que Shota faz de sua vida, a partir de alguns acontecimentos.

O primeiro ocorre quando Yuri é incorporada à família. Shota tenta impedi-la de participar dos furtos e somos induzidos a pensar que ele esteja enciumado de ter invadida sua parceria com Osamu. Mas, os fatos posteriores mostrarão que, na verdade, ele teme que ela descambe para o mundo em que ele agora se encontra.

O segundo é a atitude do comerciante que surpreende o ato furtivo de Yuri, acobertado por Shota. A relação entre pais e filhos na infância tem enorme peso na formação psíquica dos filhos adultos, como sabemos, mas a vida a partir da adolescência -- no momento em que eles procuram o próprio caminho -- é feita de bons e maus encontros que podem alterar radicalmente a vida para um lado ou para o outro. O comerciante é o bom encontro de Shota.

O terceiro é a observação da ganância de Osamu e Nobuyo quando se alegram com a descoberta das economias da “vovó”. É uma cena curta, mas leva-o a questionar sobre o real significado do afeto que recebe daquelas pessoas. A partir desse momento nega-se a furtar os pertences que estão em um carro e, meditativo, visita a loja do comerciante que o aconselhara e que talvez faleceu; em seguida, faz propositalmente o furto que acabaria por desmontar a família.

O filme termina com a solidão de Yuri que, por um curto período, usufruiu da ternura materna de Nobuyo e que agora retorna à vida de filha indesejada por uma mãe que tenta seduzi-la com presentes -- como fazem muitos pais e mães presas da culpa de, supostamente, não darem amor suficiente aos filhos.