Filmes da Netflix: “La valija de Benavidez” (Parte 1 de 3)
Nildo Benedetti - nildo.maximo@hotmail.com
Este filme de 2016 da diretora argentina Laura Casabé é inspirado no conto “La Pesada Valija de Benavidez” da escritora Samanta Schweblin.
O filme começa na mansão do psiquiatra Leopoldo Corrales, um patrono das artes que mantém um atelier de artes plásticas, a “Residência”. Obras dos artistas residentes estão sendo avaliados por Beatriz Donório, uma marchand e crítica de arte.
A cena muda para o apartamento de Benavidez, um pintor cuja obra havia sido violentamente atacada por Donório. Ele está discutindo com a esposa Lisa, uma talentosa artista plástica. Benavidez abandona a casa carregando uma enorme mala e se dirige à mansão do seu psiquiatra Corrales. Como Benavidez afirma que não pode voltar para casa após a discussão que teve com a companheira, Corrales o instala em um dos quartos da mansão. A atitude inicialmente reticente do médico muda durante a noite, quando descobre que na mala de Benavidez esconde-se uma obra de arte de tão alta qualidade que poderá salvar a Residência das dificuldades financeiras por que vem passando. Por isso, Corrales convence Benavidez a se incorporar à Residência, prometendo-lhe que isto o fará iniciar uma nova vida. O artista reluta, só quer recuperar sua mala e voltar para casa, mas acaba cedendo e visita a Residência.
Devo alertar o leitor que citarei passagens do filme (spoilers) quando elas forem necessárias para o desenvolvimento desta análise. Para quem não gosta de spoilers, sugiro que assista ao filme e depois leia os artigos.
Dividi esta análise em três artigos. Neste primeiro, escreverei brevemente sobre a forma narrativa do filme. No segundo (que é o da próxima semana), escreverei sobre algumas ideias sobre arte que o filme sugere. No terceiro escreverei sobre a psicologia de Benavidez.
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O conto “La Pesada Valija de Benavidez” pertence à categoria literária a que se dá o nome de narrativa fantástica. O filme mantém as características da narrativa fantástica, embora seja uma versão livre do conto de Samanta Schweblin.
A história do filme é construída pelo contraste entre o que nos é familiar e o que não é familiar. É uma representação em que o leitor reconhece que a realidade representada é plausível, mas, ao mesmo tempo, percebe que há algo estranho ocorrendo. Essa estranheza não é necessariamente sobrenatural.
Podemos observar dois componentes decisivos em “La Valija de Benavidez”: de um lado, o modo de contar a história e os recursos técnicos empregados; de outro lado, a reflexão sobre temas complexos, como arte e psicologia. O filme mantém esses dois componentes unificados para formar um todo indissolúvel, ou seja, sintetiza forma e conteúdo. Desse modo, a complexidade e as incertezas em torno dos temas tratados é reproduzida e ao mesmo tempo reproduz uma forma narrativa que gera incertezas e pode confundir o espectador. Estas incertezas comunicam suspense e mistério ao filme e, sobretudo, abre enormes possibilidades interpretativas. Se o leitor tiver oportunidade, assista ao filme com outras pessoas e certamente constatará que há vários modos de enxergar os acontecimentos e as teses do filme. É um ótimo exercício para cinéfilos.
Continua na próxima semana.
Está série de artigos está incluída no projeto Cine Reflexão da Fundec