Filmes da Netflix: ‘O dilema das redes’ (Parte 9 de 9)
Nildo Benedetti - nildo.maximo@hotmail.com
Para Yuval Noah Harari, a única saída plausível dos dilemas atuais da humanidade é a da criação de uma rede global de proteção social a partir de uma nova ordem pós-liberal (convém repetir que Harari nada tem de esquerdista). Porém, para forjar identidades coletivas, os humanos quase sempre precisam de algum inimigo em comum. E agora temos inimigos globais reais: os estragos provocados pelas inteligência artificial apontados até aqui nestes artigos, as mudanças climáticas e a ameaça nuclear. Esta última, que parecia distante, foi aventada pela Rússia em abril deste ano, caso o estúrdio Trump ordenasse o lançamento de um míssil, nuclear ou não, contra a Rússia.
O isolacionismo radical proposto pelo extremismo do Nacionalismo está totalmente divorciado da realidade econômica, diz Harari. Sem uma rede de comércio global, todas as economias nacionais existentes vão entrar em colapso. Muitos países nem sequer serão capazes de alimentar a si mesmos, e os preços de quase todos os produtos vão disparar. No caso do mercado de trabalho, a vantagem competitiva de países que possuem mão de obra barata será minada pela automação gerada pela inteligência artificial. A empregabilidade dos indivíduos dependerá da capacidade de serem treinados várias vezes durante a vida para se adaptarem às constantes mudanças geradas pela automação. Mas, países como China, Estados Unidos e alguns outros, que têm recursos econômicos e de conhecimento necessário para manterem treinamento permanente da sua mão de obra, concentrarão mais e mais riquezas e se distanciarão economicamente cada vez mais dos países pobres ou em desenvolvimento, como o Brasil, que arcarão com enormes contingentes de desempregados. Isto gerará instabilidade global que prejudicará também os países ricos, entre outros motivos porque agravará a emigração em massa na direção deles, por mais muros e cercas que construam.
O Nacionalismo como doutrina política extremista não está radicado na biologia ou na psicologia humanas. Os humanos são de fato animais sociais e sentem-se naturalmente leais a parentes e amigos que conhecem intimamente. O sentimento nacional conseguiu fazer que pessoas se sintam leais aos milhões de habitantes de seus países. Não é uma tarefa mais difícil fazer que humanos se sintam leais à vida de 7 bilhões de pessoas que nunca conheceram. Os verdadeiros cristãos deveriam se empenhar nessa tarefa, porque o fundamento do cristianismo consiste justamente na afirmação da fraternidade entre todos os homens.
Uma rede global de proteção não significa o abandono das identidades culturais, religiosas ou nacionais. É possível ser leal a uma e a várias identidades ao mesmo tempo -- família, aldeia, país e também ao planeta e a toda a espécie humana.
Os delírios nacionalistas de dominação global do século 20 pelo nazi-fascismo provocaram a matança de mais de 70 milhões de pessoas na Segunda Guerra Mundial. Por isso, diz Harari, quem realmente ama sua pátria, no século 21 deverá ser necessariamente globalista.
Na próxima semana publicarei um artigo intitulado A pandemia e “A chegada”.
Esta série de artigos está incluída no projeto Cine Reflexão da Fundec