Filmes da Netflix: “Pieces of a Woman”

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Martha (Vanessa Kirby) e Sean (Shia LaBeouf) vivem a tragédia da perda de um filho recém-nascido. Crédito da foto: Divulgação

Martha (Vanessa Kirby) e Sean (Shia LaBeouf) vivem a tragédia da perda de um filho recém-nascido. Crédito da foto: Divulgação

Nildo Benedetti - nildo.maximo@hotmail.com

Na semana passada escrevi nesta coluna sobre “Quando a Vida Acontece”, da austríaca Ulrike Kofler. Ressaltei que o relacionamento do casal protagonista era basicamente determinado pela impossibilidade de ter filhos. Este “Pieces of a Woman” também trata da família e da maternidade, mas adiciona o tema do luto. O filme é de 2020 e foi dirigido pelo húngaro Kornél Mundruczó.

Martha Weiss está grávida de seu parceiro Sean, trabalhador da construção de uma ponte. Após uma breve introdução, o filme mostra o nascimento em tempo real da criança, uma menina. Observamos Martha entrar em trabalho de parto e o primeiro sinal de problema é que a parteira em quem confia está no meio de outro parto. A criança nasce, chora normalmente e falece depois de alguns minutos.

O nascimento de uma criança é um renascer para a mãe, mas é sempre acompanhado pelo fantasma da morte. A felicidade da geração de um filho é contaminada pela possibilidade da perda, do desaparecimento tanto do filho que está para nascer, como da própria mãe. É um processo que tem o risco de levar ao luto. Em sua obra “Luto e Melancolia”, Freud definiu o luto como a reação à perda de um ente querido, à perda de alguma abstração como a pátria, a liberdade etc.

A superação do luto é um processo complexo, doloroso e consiste na lenta aceitação de que o ser amado já não existe, embora o objeto de amor continue a ser lembrado até o fim da vida. Os traços mentais apresentados por Martha -- desânimo penoso, cessação de interesse pelo mundo externo, perda da capacidade de amar, inibição de toda e qualquer atividade são os que foram apontados por Freud como presentes no indivíduo que vive o luto.

Martha abandona o trabalho, locomove-se taciturna de um lugar a outro, chega a ir a uma boate onde dança e namora sem qualquer interesse, afasta-se de um marido incapaz de compreender a dor da sua condição. Em uma das cenas mais chocantes do filme, Sean procura Martha para o sexo e ela, ainda que com evidente desprazer, procura atendê-lo. O sofrimento do luto está presente em todas as cenas em que Martha participa e algumas vezes ela não se contém e se torna agressiva com Sean e com sua família, especialmente com sua mãe.

A relação entre Sean e Martha, que já era perturbada pela interferência da mãe da jovem, se torna insustentável depois da perda da criança e vai desmoronando lentamente até se converter em indiferença. Ele arranja uma amante e, subornado pela sogra, desaparece de cena definitivamente.

Os sintomas dolorosos do luto vão normalmente se dissipando com o tempo e é o que ocorre com Martha. A superação do luto por ela é metaforizada pela conclusão da ponte, que liga uma margem à outra de sua vida. Sobre essa ponte ela joga as cinzas do bebê, indício de um recomeço da vida e da superação do luto.

A narrativa vai para o futuro. Agora Martha tem uma filha cujo nome significa “luz” e que ilumina a escuridão de seu passado.

Em várias ocasiões a trilha sonora do filme chega a irritar porque rouba parte da atenção que deveria ser totalmente concentrada no desempenho da sofrida personagem de Martha. Cada um com seu gosto.

Na próxima semana escreverei sobre Riphagen.

Esta série de artigos está incluída no projeto Cine Reflexão da Fundec.