O ‘bullying’ no patinho feio
Vanderlei Testa
A lenda do patinho feio diz que não se deve julgar ninguém pela sua aparência. Essa verdade é a certeza que a beleza mora no interior do ser humano. Na história do patinho feio, todos os demais do bando de patos o rejeitam. Um dia o patinho feio se torna um cisne e, os que o rejeitavam, agora desejam serem seus amigos. Tenho visto o patinho rejeitado nas minhas caminhadas diárias neste tempo de pandemia. Acontece que onde caminho há um lago e sete patinhos. Na hora de ficar apreciando os patinhos, ao lado da vasilha de alimentos, farelo e milho, observo como é real essa história do patinho feio. O bando nasceu graças aos cuidados do Amarildo, sindico do condomínio. A gestação da mãe pata exigiu muitos dias de cuidados especiais, com alimentos e água em ambiente protegido de outros animais. Eu e o Amarildo ficamos conversando enquanto observámos os seis patinhos se alimentando. O sétimo patinho, o tal do feio da turma, estava a uns dez metros de distância no lago, rodeando a margem. Incrível que a meia dúzia de patinhos gordinhos não permitia a chegada do irmãozinho rejeitado. Quando ele nadava em direção à vasilha de farelo, logo em seguida o “chefe” do grupo avançava com braveza. E o coitadinho do raquítico patinho simplesmente ficava com fome. Conversei com o Amarildo, sobre o que poderíamos fazer para alimentar e agrupar todos. Ele me respondeu que um morador já tinha se sensibilizado com essa situação e levado o tal do patinho até a sua casa. Ele ficou lá alguns dias, mas manifestava tristeza da falta do lago e do ambiente. Então, retornou à sua origem, mesmo com a rejeição da família.
Passei nos dias seguintes a aguardar o patinho nadar até a margem e alimentá-lo. Mas não deve ser o correto, tratar isoladamente, pois ele nasceu para ser parte do grupo de irmãos patinhos. Decidi escrever o artigo com este tema e a experiência de vivenciar o fato com os sete animais, porque na vida humana também acontece isso. O tal do bullying nas escolas, entre classes de alunos das mais diversas séries e classes sociais. Conheço uma menina com os seus cinco anos de idade de um colégio particular, filha de amigo, que um dia chegou à casa falando aos pais que as suas coleguinhas a chamavam de feia. Essa afirmação estava trazendo a pequena menina um desconforto em seus sentimentos. “Mãe, porque sou feia”? E, certamente a mãe desmentiu essa afirmação. “Quem disse isso a você”? “Foram as minhas coleguinhas na escola, respondeu!” Na fase da juventude escuto muitos pais comentarem sobre os filhos com os seus 15 anos de idade na mesma situação. Teve até um caso de bullying devido a alguns jovens que usaram cabelos coloridos. Imagino que são milhares de casos todos os dias no Brasil e milhões no mundo. Nos estudos dos psicólogos e psiquiatras o bullying teve esse nome em origem inglesa. O significado em português é “valentão”. Já o sufixo “ing” é uma ação contínua. Ou seja, as agressões são aplicadas por valentões nas vítimas do bullying de forma continuada. É uma verdadeira perseguição ao agredido, ou à pessoa escolhida como foco do grupo. Começa com agressão de ordem física, verbal ou psicológica. Muitos casos, essa agressividade chega com essas três penalidades juntas. A iniciativa de um aluno ou aluna sobre alguém da classe ou da escola pode ser originada por inveja ou preconceito.
É terrível, me contou uma jovem que passou por essa agressão do bullying. Ela se sentiu exposta, ridicularizada e ganhou um apelido humilhante. A primeira reação é aparentar indiferença, mas a continuidade nos dias seguintes faz com que a rejeição leve a pessoa a não querer mais ir à escola, comer, dormir e se relacionar. Vêm pensamentos de fuga e suicídio. Conheci também um jovem que experimentou o isolamento no quarto e passou a agredir o corpo como manifestação de repulsa ao apelido recebido e a indiferença junto aos colegas da escola. Se não fosse a ajuda profissional de psicólogo, talvez o final dessa história tivesse sido trágica. Outro caso foi de um bullying na própria casa. Sem que o pai imaginasse o resultado de tal crueldade com o filho, exigia dele uma disciplina e comportamento disciplinar anormal para manifestar o amor paterno. Um amor que jamais deveria ser manifestado de pai para filho com surras de cinto. Há muitos filmes e histórias que mostram essas agressões familiares.
Aquela observação inicial que fiz dos sete patinhos no lago me incomoda. Se a vida animal e a humana ainda provoca a rejeição, o bullying nos leva a questionar: o que podemos fazer para coibir esses casos tão presentes em nossas vidas? Tem que haver uma solução, como disse os autores do livro com título “Ernesto”, de Blandina Franco e José Carlos Lollo, da editora Companhia das Letrinhas: “Já imaginou se você pudesse interferir no final triste de uma história e mudar o seu rumo”? É isso o que sugere este livro. Enquanto narra a trajetória de Ernesto, um personagem desajustado, melancólico e sozinho por conta das críticas negativas que recebe dos outros, os autores interrompem a história com as temidas três letrinhas: FIM.
Ué, mas acabou assim? Ernesto terminou só e abandonado? É aí que o leitor é convidado a refletir sobre as consequências. Palavras e atitudes depreciativas podem ter danos irreparáveis sobre alguém. “De forma sutil e metafórica, o livro sugere a urgência de aceitar o outro como ele é”. Senão, o fim da vida de quem sofre bullying pode ser fatal.
Ah! Mais treze patinhos estão se juntando ao grupo e o patinho “feio” já está se enturmando.
Vanderlei Testa jornalista e publicitário escreve às terças-feiras no Jornal Cruzeiro do Sul. E-mail para comentários: ens.imprensa@gmail.com