Pano de chão
Vanderlei Testa
Vou ao trabalho com o meu carro. Paro na ponte Salomão Pavlovsky que liga a rua Mário Thame com a avenida Dom Aguirre. Fico parado à espera do semáforo que está vermelho à minha frente. Entre os meninos com caixinhas de balas e pipocas em saquinhos no meu retrovisor e painel da frente, chega um senhor com uma tabuleta: “Cinco panos de chão ou prato por R$ 10,00”. Agradeço a oferta e balancei a cabeça dizendo que não queria esse produto. Segui meu caminho e trabalhei o dia todo. À noite fui ouvir uma palestra. A palestrante citou que muitas mulheres sentem-se como “pano de chão”. Aí veio à tona aquela imagem dos panos de chão nos braços do vendedor. Lá era tecido, pano entrelaçado por fios que se tornou comercialmente um item doméstico usado normalmente enrolado em objeto chamado de rodo. E com o chão molhado ou sujo, lá vai ele, branquinho e alvejado para ser usado. Depois de cumprir a sua missão, ele é apertado, segue à torneira para ser lavado na pia ou tanque.
O pano de chão, como disse aquela palestrante, me deixou indignado ao ouvir a comparação da mulher sendo considerada como “pano de chão”. Será que existe mesmo? Como jornalista e cristão senti-me no dever de escrever. Estamos chegando ao dia de Natal. Apesar de a data fazer toda a diferença no coração das pessoas, ainda há seres humanos que tratam as mulheres como “pano de chão”? Acredito que o Natal no seu sentido espiritual, desperta valores de fraternidade nas famílias e, em cada pessoa. Estamos a sete dias do dia 25 de dezembro. Shoppings enfeitados, casas como a minha com a árvore colorida, arranjos nas ruas e igrejas. Enfim, o clima se faz presente em confraternizações de amigos nas pizzarias e barzinhos e, nos faz crer que há sentimentos humanos. Lá no Sacrário das igrejas católicas, o aniversariante do dia celebrado nos países cristãos, permanece vivo à espera daqueles que vão lá bater seu papo com ele, para agradecer o seu nascimento ou para solicitar ajuda e curas.
A Gisele contou que a sua história de amor com o marido virou pesadelo. Ela citou que sofreu humilhações de todos os tipos, cusparadas na cara, tinha que se ajoelhar pedindo perdão por nada que tivesse feito e ganhava copos de água no rosto na mais profunda agressão. A mulher “pano de chão” não era tecido, mas um ser humano como eu e você. Essa história pode estar representada em muitas pessoas que leem este artigo. Enquanto há uma expectativa do Natal amor, em muitos lares há o Natal sofrimento com a violência doméstica ou desarmonia conjugal. Há exatamente um mês, participei de evento onde foi debatido o tema chamado “Harmonia Conjugal”. Harmonia quer dizer entre tantas manifestações, aquilo que Deus criou como equilíbrio da natureza humana, o homem e a mulher, os seres criados à sua imagem e semelhança. Há harmonia em tudo o que foi criado. As letras musicais proporcionam aos nossos ouvidos sentirem-se como portas de entrada de sons divinos, seja em cantos, no dedilhar de violão, violino, piano ou outro instrumento. Há harmonia na natureza e nos animais. A harmonia pessoal, conjugal e familiar, no entanto, necessita de amor e compaixão e não de agressão.
No transcorrer da palestra a Gisele contou que na época do namoro tudo era maravilhoso e nunca jamais imaginou que passaria por uma situação tão humilhante como mulher, com uma família linda que tinha sido criada, em valores e respeito. Quem nos via como marido e mulher na família ou nas imagens da rede social imaginava o casal perfeito. Conta ela: “o marido agressor fica colocando coisas na sua cabeça. Ah, você não precisa mais ficar com a sua família, ah! Saia do trabalho que eu te sustento. Ah, não quero que você saia mais com suas amigas”. E assim, ele parecia o marido “perfeito”. Daí começou a me agredir verbalmente, de forma sutil, eliminando a minha autoestima. E foi relatando que a violência psicológica aumentava em sua casa. Entrava com frases de pressão psicológica: “vou te deixar”, “você é um lixo”. Como esposa acabava passando por momentos terríveis. Dormia no carro. A submissão toma conta de você e não imaginaria pensar o que o futuro me reservava. As agressões físicas surgem, com puxões de cabelos, socos no rosto, empurrões, e os roxos apareciam na face. A gente fica hipnotizada. Eu enganava a mim e aos meus pais com mentiras para proteger o marido agressor. Era um medo assustador. Um dia meu marido jogou líquidos no chão e tive que esfregar com o pano de chão. Eram três horas da manhã e fui obrigada a ir atrás de um comércio aberto para comprar desinfetante, como exigência do marido, relatou a Gisele.
Até que um dia relatei a minha vida a uma amiga e ela exigiu que eu fosse de imediato procurar ajuda de uma médica. Lá desabafei. Pela gravidade do caso, ela queria conversar com os meus pais. Nesse encontro, alertou meus pais que o próximo passo da agressão seria que ele, meu marido, iria me matar. Fiquei sem me sentir pessoa. Transfigurada, sem sentido para a vida. Foi a melhor decisão da minha vida a separação. Hoje ao falar em palestras e ajudar as mulheres e as pessoas a não passarem por essa situação, insisto para não se sentirem com medo em pedir ajuda, como aconteceu comigo. Quem te ama de verdade despertará você para a realidade, como foi essa amiga e médica.
Este ano era para ser mais um Natal de tristeza e agressões. Agora em 25 de dezembro de 2019 passarei o Natal em paz com meus pais, familiares e amigos, recebendo deles o verdadeiro sentido do amor, como um presente, sem sofrimentos.
Feliz Natal aos leitores!
Vanderlei Testa é jornalista e publicitário e escreve quinzenalmente no Jornal Cruzeiro do Sul e aos sábados no www.facebook.com/artigosdovanderleitesta