Para uma política melhor
Dom Julio Endi Akamine
Há poucas semanas, participamos das eleições municipais. Penso que seja oportuno ouvir algumas provocações do Papa Francisco feitas recentemente no capítulo V da Encíclica Fratelli tutti. Elas servem de advertência e também de encorajamento para os eleitos.
Precisamos de uma política melhor. Infelizmente cresce o desprezo pelos vulneráveis maquiado de formas populistas que se servem demagogicamente deles para seus fins ou de formas liberais ao serviço dos interesses econômicos dos poderosos.
Para que haja uma política melhor é indispensável tratar a questão do trabalho. “Ser verdadeiramente popular -- no sentido de promover o bem do povo -- é garantir a todos a possibilidade de fazer germinar as sementes que Deus colocou em cada um, as suas capacidades, a sua iniciativa, as suas forças” (162). Ajudar os pobres com doações é um remédio provisório para enfrentar a emergência. A tarefa mais nobre da política consiste em garantir aos pobres uma vida digna através do trabalho. Com efeito, “não há pobreza pior do que a que priva do trabalho e da dignidade do trabalho” (162).
Outro desafio para os políticos consiste em conceber políticas sociais que não sejam para os pobres. Em vez disso, temos urgência de políticas sociais com os pobres e dos pobres inseridas em um projeto que reúna povos e nações. Os pobres não devem ser somente ajudados, apoiados ou suportados. Devem ser protagonistas da democracia, da luta diária pela própria dignidade e da construção do destino das nações. Sem os pobres a democracia se torna mera formalidade e perde representatividade (169).
Mesmo que os eleitos tenham uma atuação preponderantemente local, não devem ser indiferentes às relações internacionais. Uma política melhor significa não permitir que as instituições internacionais e as organizações financeiras transnacionais enfraqueçam ou deslegitimem o poder dos Estados nacionais. Sem uma colaboração forte da comunidade internacional os problemas locais disseminados não podem ser superados eficazmente. Por isso, uma política melhor deve lutar para que as organizações mundiais sejam mais eficazes e dotadas de autoridade para assegurar o bem comum mundial, a erradicação da fome e da miséria e a justa defesa dos direitos humanos fundamentais (172).
Constatamos a tendência perigosa de subjugar a política à economia. A economia sem política, porém, é o que está na causa da lógica do mais forte que abandona os mais vulneráveis à própria sorte. Com efeito, a economia por si só embrutece e desumaniza os atores sociais. “A grandeza política mostra-se quando, em momentos difíceis, se trabalha com base em grandes princípios e pensando no bem comum a longo prazo” (178). “A sociedade mundial tem graves carências estruturais que não se resolvem com remendos ou soluções rápidas. Há coisas que devem ser mudadas com reajustamentos profundos e transformações importantes. E só uma política sadia pode conduzir o processo, envolvendo os mais diversos setores e os conhecimentos mais variados” (179).
Aos eleitos, o Papa Francisco antecipa as perguntas que cada um deverá se fazer ao concluir seu mandato. “Ao refletir sobre o próprio passado, a pergunta não será: Quantos me aprovaram, quantos votaram em mim, quantos tiveram uma imagem positiva de mim? As perguntas, talvez dolorosas, serão: Quanto amor coloquei no meu trabalho? Em que fiz progredir o povo? Que marcas deixei na vida da sociedade? Que laços reais construí? Que forças positivas desencadeei? Quanta paz social semeei? Que produzi no lugar que me foi confiado?” (197).
Aos eleitos de 2020, garanto minhas orações, uma responsável vigilância e uma leal colaboração por uma política melhor.
Dom Julio Endi Akamine é arcebispo metropolitano da Arquidiocese de Sorocaba.