Reumatismo, uma grande confusão de nomes

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Mário Cândido de Oliveira Gomes

A confusão é total no campo das doenças reumáticas. Fala-se em “reumatismo no sangue”, “reumatismo infeccioso”, “reumatismo fortemente (ou fracamente) positivo”, etc. Pior ainda: tudo que desperta dor é rotulado de “reumatismo”. Num ambulatório de ortopedia da Universidade de Campinas, dos quase 1.500 pacientes encaminhados, 25% tinham diagnóstico de doença reumática, mas somente 10% eram realmente portadores de “reumatismo”.

O povo chama de reumatismo numerosas doenças do aparelho locomotor, tais como fibrosite, tendinite, bursite, osteoartrose (bico de papagaio), osteoporose (descalcificação do osso) e calcificações. Todavia, doença reumática ou colagenose é um conjunto de enfermidades específicas, cujo denominador comum é uma alteração do colágeno, que são fibras protéicas encontradas em todos os órgãos e sistemas, servindo de ligação entre as células e tecidos. Funciona como verdadeiro cimento, unindo e fornecendo uma delicada rede de sustentação.

As doenças reumáticas mais conhecidas são: a febre reumática, artrite reumatóide, lupus eritematoso, poliarterite nodosa, dermatomiosite e a esclerodermia. A mais frequente é a febre reumática ou reumatismo infeccioso, pois é desencadeado por infecções sucessivas da garganta (faringite, amidalite, etc), da pele e pelo estreptococo. A febre reumática compromete diversos órgãos, como coração (cardite), articulação (artrite), cérebro (coréia), tecido subcutâneo (nódulos) e pele (eritema marginado). O comprometimento do coração (miocardite) é o mais grave e importante sintoma da enfermidade, pois ocorre em 50% dos portadores e pode deixar numerosas sequelas, como erosão das válvulas e aparecimento de sopros.

A artrite, de caráter migratório, aparece em 70% dos indivíduos com febre reumática, provocando dor intensa em repouso, inchaço, calor e vermelhidão, principalmente nos joelhos, tornozelos, punhos e cotovelos. Pode ser confundida com gota, artrite gonocócica, leucemia, lesões traumáticas e de repetição. A coréia afeta 15% dos portadores de reumatismo, sendo caracterizada por movimentos involuntários e sem propósitos, fazendo pensar num problema emocional.

Os eritemas marginados são manchas vermelhas não pruriginosas (diferente da alergia), localizadas no tórax e extremidades proximais, aparecendo somente em 5% dos reumáticos. A febre, por sua vez, é um sintoma constante ao lado da fraqueza, falta de apetite, anemia, etc. Os exames de laboratório que permitem suspeitar ou diagnosticar febre reumática são de três tipos: o primeiro reflete o grau de inflamação do colágeno (hemograma, hemossedimentação, alfa-1 glicoproteína ácida e proteína C reativa), enquanto o segundo permite avaliar a presença ou o grau de lesão do coração (radiografia do coração, ECG, ecocardiograma, etc) e, finalmente, o terceiro mostra a presença ou a passagem do estreptococo pelo organismo (cultura, aslo, etc).

O tratamento da febre reumática é realizado com repouso, erradicação do estreptococo da garganta (penicilina e derivados) e antiinflamatórios (aspirina, corticóide, etc). Para evitar novos surtos do processo é utilizada a velha e conhecida penicilina a cada 14 ou 21 dias, por tempo prolongado. Quando a lesão valvular do coração atinge certo grau (insuficiência ou estenose das válvulas mitral e aórtica) está indicada a correção cirúrgica. A artrite reumatóide compromete a maioria das articulações, provocando sérias deformidades, principalmente nas mãos, enquanto o lúpus é extremamente polimorfo, com lesões nas juntas, rins, pele (asa de borboleta), sistema nervoso, etc.

As doenças reumáticas apresentam evolução prolongada (crônicas),tratamento difícil e cura problemática. São também conhecidas como auto-imunes porque o indivíduo fabrica anticorpos contra seus próprios tecidos, o que dificulta a solução do problema. O termo reumatismo deve ser usado exclusivamente para as enfermidades que comprometem o colágeno ou tecido conectivo. Assim, não utilizar como sinônimo de dor articular (artrose) ou de lesão ortopédica. Senão, o leigo vai continuar não entendendo nada.

*Artigo extraído do livro Doenças - Conhecer para prevenir (Ottoni Editora), de autoria do médico Mário Cândido de Oliveira Gomes, falecido aos 77 anos, no dia 6 de junho de 2013.