Sonhar um sonho impossível

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Janot é ex-procurador-geral da República. Crédito da foto: Wilson Dias / Agência Brasil (19/6/2017)

Carlos Brickmann

Até agora, discutiu-se o motivo que teria levado Rodrigo Janot a confessar uma quase tentativa de matar Gilmar Mendes. Mas há outro tema a discutir: os detalhes esquisitíssimos neste assassínio que não houve.

Janot disse que entrou no Supremo, viu Gilmar sozinho, tirou o revólver do coldre e, a dois metros de distância, quando queria atirar, seu dedo ficou paralisado. Por baixo da toga, mudou o revólver para a mão esquerda, mas o outro dedo também o desobedeceu. Só que a sala em que Janot diz ter visto Gilmar sozinho é normalmente ocupada por oito a dez garçons, haja ou não Excelências presentes. De repente, algum meritíssimo aparece de surpresa e há que atendê-lo. Ali há também alguns seguranças. Gilmar sozinho? Jamé!

Agora, caro leitor, vista um roupão (ou algo mais chique, um robe). Toga é parecida, só que com tecido importado e alfaiate europeu. Pense em sacar uma arma sem que ninguém o note. Lembre-se: a toga é aberta na frente. Em seguida, tente mudar a arma para outra mão, sem que ninguém perceba, e isso bem pertinho de seu alvo. Nem Mandrake o faria -- e Janot não é um Mandrake (aliás, nem Lothar). Mas há um detalhe muito mais interessante: tente fazer toda essa manobra sem estar presente. Pois Janot não estava lá.

Janot disse à Veja que o episódio ocorreu no dia 11 de maio. Neste dia, ele estava em Belo Horizonte. O ótimo repórter Felipe Recondo, do site Jota, pesquisou os passos do ex-procurador-geral. Janot estava longe de Brasília.

Janot viajou a Belo Horizonte na manhã de 10 de maio, em avião da FAB, na véspera do dia em que teria tentado matar Gilmar Mendes para matar-se em seguida. No dia 12, palestrou na Universidade Federal de Minas. Lá ficou até o dia 15. Seria interessante, portanto, tomar algumas providências: uma, determinar a reconstituição dos fatos, como narrados por Janot -- seria ele capaz de tamanhos malabarismos com as mãos na arma? Segundo, esclarecer a questão das datas. Onde estão os erros, nas datas ou nos fatos narrados?

A rainha das provas

Essa história de que a confissão é a rainha das provas não é bem assim -- tanto que nem delação premiada é válida se não houver como confirmá-la. E testemunhas também falham: peça a amigos de confiança que descrevam um fato que presenciaram juntos e terá versões variadas. No caso há outra curiosidade: Janot confessou, mas o que confessou não é crime. Ter vontade de matar alguém é apenas um sonho. Ou pesadelo. Ou ambos. Ambos lícitos.

Quem te viu...

A Polícia Federal indiciou o ministro do Turismo, Marcelo Álvaro Antônio, em inquérito sobre candidatos-laranjas no PSL mineiro. O ministro é suspeito de falsidade ideológica, apropriação indébita de recursos eleitorais e associação criminosa -- que podem custar, se for processado e condenado, uma pena máxima de 14 anos de prisão. Hoje, Marcelo Álvaro Antônio compartilha as condições de indiciado e de ministro: Bolsonaro já informou, via porta-voz da Presidência, que ele será mantido no Ministério.

...quem te vê

Em 13 de março, Bolsonaro disse a um grupo de jornalistas que decidiria a permanência ou não do ministro dependendo das investigações policiais. Se a Polícia concluísse pelo envolvimento do ministro no caso, “podem ter certeza de que uma decisão será tomada”. Foi tomada: o ministro fica, apesar do indiciamento. Cabe agora ao Ministério Público decidir se o denunciará à Justiça. Se a denúncia for aceita, o ministro vira réu e responderá a processo.

O ministro Marcelo Álvaro Antônio diz ser vítima de campanha orquestrada e,em nota, “reafirma sua confiança na Justiça e reforça sua convicção de que a verdade prevalecerá e sua inocência será comprovada”.

Eu era assim...

Pouco após assumir o Ministério da Justiça, Sergio Moro anunciou seu pacote anticrime. O pacote dorme no Congresso e não há notícia de que o presidente Bolsonaro esteja se incomodando muito com isso. Mas agora o ministro Moro lança (inicialmente no Paraná) uma campanha de propaganda em favor do pacote. O Congresso não recebeu bem a campanha: em vez de conversar, Moro tenta impor suas opiniões aos parlamentares.

...eu sou assim

No lançamento da campanha, perguntaram a Moro por que Bolsonaro nada falou até agora sobre o assassínio da menina Agatha, no Rio. Embora o tema da campanha e da entrevista fosse violência urbana (e Agatha foi atingida por uma bala de fuzil, numa operação policial), Moro não quis comentar o assunto, alegando que a pergunta não era apropriada.

Carlos Brickmann é jornalista - carlos@brickmann.com.br