Tecnologia e saúde precisam estar juntas
Thomas Miliou
Tendo vivenciado em 2003 a epidemia de SARS durante minha longa permanência em Beijing, as notícias de mais uma epidemia na China em dezembro me sensibilizaram. Esta experiência me fez enxergar a importância de adotar métodos avançados e velozes para conter a propagação do vírus. Sendo especialista na tecnologia de infravermelho na saúde, em janeiro tentava alertar as autoridades sobre a necessidade de adotar a termografia especialmente em aeroportos, rodoviárias e hospitais. Seriam inúmeros os benefícios preventivos se as câmeras termográficas fossem adotadas no país nesse momento.
Em 30 de janeiro, a OMS (Organização Mundial da Saúde) declarou emergência de saúde pública global e em março mudou o status para pandemia. Após a detecção do primeiro caso de Covid-19 durante o carnaval, algumas medidas preventivas à base de voluntariado começaram em ambientes de grande circulação, como aeroportos. Contudo, foram insuficientes, porque a nossa própria percepção de febre não é ideal. Em pesquisa realizada em 2.873 pessoas que procuraram o pronto atendimento, 478 declaram que tinham febre - mas somente 10% de fato tinham febre. Ainda foram detectadas 16 pessoas sem ter consciência do próprio estado febril.
Mesmo que o nosso país conte com uma boa infraestrutura para enfrentar uma epidemia, necessitávamos das ferramentas que a tecnologia dispõe hoje para nos mobilizarmos com rapidez e eficácia se a situação saísse do controle. A China conseguiu controlar a epidemia através de medidas rígidas, restringindo o fluxo de pessoas com o auxílio do sistema de monitoramento instalado com câmeras de segurança e térmicas. Como a nossa cultura ocidental com profundo respeito à privacidade não permite a instalação de sistemas similares, a melhor estratégia no Brasil seria investir em métodos preventivos, como o rastreamento de passageiros febris em aeroportos e rodoviárias. É um investimento baixo e com resultados comprovadamente bons para que a situação não se agrave e nem atinja números fora do controle. Infelizmente perdemos esta janela de oportunidade, mas estas ferramentas ainda podem auxiliar muito.
A febre é um dos primeiros sintomas de defesa do corpo quando há infecção por vírus e bactérias. Ela esteve presente em 98% dos casos confirmados de coronavírus e por isso deve ser monitorada constantemente. Algumas cidades como Brasília, Salvador e Rio de Janeiro adotaram medidas nos aeroportos para a realização da triagem nos passageiros. Porém, a medição da temperatura corporal está sendo feita com termômetros digitais, que necessitam de contato físico, o que coloca em risco de contaminação tanto os passageiros como também os profissionais. No caso de Brasília, os bombeiros usam câmeras infravermelhas que tinham comprado na Copa de 2014. Porém o modelo disponível não é adequado para este uso e apresenta falha de 5ºC.
A termografia por infravermelho é um método de diagnóstico por imagem digital que fornece um mapa visual das temperaturas da pele em tempo real, pode ser feita à distância e tem a capacidade de examinar um grande volume de pessoas. Adotar as câmeras térmicas nesses ambientes facilitaria a identificação de pessoas doentes, já que a medição, dependendo do modelo e marca, pode ser muito precisa com variação de apenas 0,07ºC. Porém, as câmeras devem respeitar alguns requisitos mínimos, como uma resolução de 76.800 pixels. E mesmo com uma câmera apropriada, existe uma metodologia estabelecida para obter-se a medição correta, definida em diretrizes ISO — que estabelecem parâmetros como a temperatura inicial que indica uma febre e o local adequado no rosto para aferição.
Agora, a grande preocupação é não sobrecarregar o sistema de saúde do país. Câmeras térmicas instaladas em hospitais auxiliaram na rápida classificação de prioridades, na época do H1N1, especialmente por ter eliminado as pessoas sem febre do atendimento prioritário, permitindo atender com maior urgência aqueles que precisavam. No Brasil, alguns hospitais já aplicam essa medida com sucesso.
Em chinês, a palavra “crise” é composta por dois caracteres, que significam “perigo” e “oportunidade”, respectivamente. Apesar das dificuldades, o empreendedorismo brasileiro está mostrando resultados encorajadores. Startups que apoiamos com nossas câmeras de termografia estão desenvolvendo uma solução com inteligência artificial para melhora na detecção de temperatura corporal elevada integrando os sistemas de hospitais. Precisamos aproveitar as oportunidades. Existem tecnologias a nosso favor e elas precisam ser investidas na área da saúde. Só assim conseguiremos minimizar o impacto da pandemia.
Thomas Miliou é CEO na Poliscan Brasil e especialista em termografia infravermelha.