Tom Brady
O futebol americano tinha sua sociologia implícita. Certos costumes discriminatórios eram pétreos, pareciam eternos. Um “quarterback” negro, por exemplo, era impensável. O “quarterback” é o cara que escolhe a jogada do seu time, ou executa a jogada determinada pelo técnico, e age como um misto de estrategista, intelectual, capitão, modelo, psicólogo e líder do time. Dos jogadores negros só se pedia que fossem grandes. Sua função era serem armários, para protegerem o “quarterback” ou abrirem caminho para o seu avanço, ou gazelas humanas para correrem na frente e pegarem os passes precisos do príncipe, o “quarterback”.
A discriminação não explícita diminuiu com o tempo, mas ainda são poucos os “quarterbacks” negros ou hispânicos nos principais clubes desse estranho esporte, que combina o máximo de força bruta -- tão bruta que existe até um movimento para proibir o “football” nos Estados Unidos, tantos são os pescoços destroncados -- com requintes táticos que nem sempre se vê. E a sociologia implícita do “football” continua valendo. A metáfora cabível ainda é a da massa multirracial trocando cabeçadas na linha de frente enquanto a elite branca decide que destino vai lhe dar.
Mas, dirá você, e o Tom Brady? Longe de qualquer interpretação, teoria ou literatura sobre o “football”, sua violência e suas contradições, o que vimos no domingo passado depois da vitória do seu time no Super Bowl foi um homem saboreando o momento de ser o melhor do mundo, o melhor da sua categoria (a humana), o melhor do melhor dos mundos. Sua filha no seu colo, a Giselle chegando para abraçá-lo também.... Depois dirão que o jogo foi ruim. Que ele jogou mal, não importa: por um breve momento, só Tom Brady foi Tom Brady no mundo.
Não temos nada com isso, claro. Nem entendemos bem esse esporte, meio sofisticado e meio selvagem, que jogam de capacete para não morrer. E a bola com formato de kibe? Não dá.
Luis Fernando Verissimo é articulista da Agência O Globo e escreve para o Cruzeiro do Sul.