Vacina e faz-de-conta
Alexandre Garcia
Passados 116 anos da Revolta da Vacina, que teve 30 mortes, 110 feridos e 12.400 prisões no Rio de Janeiro e o governo recuou da obrigatoriedade da imunização contra a varíola, assistimos agora a escaramuças de novo em torno de uma vacina. De um lado o Governo Federal e de outro o Governo de São Paulo. O secretário-executivo do Ministério da Saúde, como porta-voz do Governo, disse que quando houver vacina licenciada, a estrutura habitual do governo, que aplica 300 milhões de doses anuais de 19 vacinas, será acionada via SUS, em seus 38 mil postos. E acusou Dória de vender sonhos e se aproveitar da esperança do povo.
Em meio à pandemia, a população se divide entre os que esperam salvação na vacina e os que preferem esperar, diante de vacinas tão pouco testadas em tão pouco tempo. E ainda temos as de engenharia genética, que nunca tomamos. A produtora alega no contrato que não se responsabiliza por efeitos colaterais.
Sempre citada, a Agência Nacional de Vigilância Sanitária, que é autônoma, não está submetida a governos e muito menos à política, como salientou seu diretor-geral. Os funcionários da Anvisa fizeram uma nota reiterando isso. A agência tem por obrigação a defesa da saúde da população, assumindo a responsabilidade pela segurança de vacinas. Se liberar uma vacina que cause danos à saúde das pessoas, será responsabilizada. Se permitir que o governador Dória aplique a vacina chinesa sem que ela esteja licenciada na China e aqui, também será responsabilizada. E se as pessoas a serem vacinadas assinarem um termo de responsabilidade, como fazem antes de cirurgias?
A lei da pandemia prevê autorização emergencial, que não é a vacinação em massa. Assim, não se pode atropelar, por ânsia política, o rito científico que visa à segurança da vacina. O próprio governador de São Paulo, que havia prometido entregar dados da fase III da vacina chinesa, adiou o prazo, embora já tenha anunciado início da vacinação para 25 de janeiro, o que é uma precipitação ou desejo de apressar a Anvisa.
Enquanto isso, há resultados marcantes nos tratamentos preventivo e precoce. Nenhum laboratório até agora entrou na agência pedindo registro para uso emergencial e experimental. No entanto, o relator de ações no Supremo, Ministro Lewandowski, deu 48 horas para o Governo marcar data de início e fim da vacinação. Parece que vivemos no País do faz-de-conta. Faz de conta que temos a vacina, faz de conta que ela é segura, faz de conta que está aprovada, faz de conta que até sabemos quando a vacinação vai começar e terminar. Brinca-se com a saúde e a esperança do povo, como se fôssemos cordeirinhos descerebrados.
Alexandre Garcia é jornalista.