Tragédia e impunidade
Morte de médico de Tatuí em assalto no litoral é mais um capítulo de uma rotineira tragédia brasileira
Mais uma trágica história, desta vez envolvendo um morador da região, comprova a urgentíssima necessidade de se fazer uma revisão nas leis do País e em suas aplicações. No último sábado, o médico infectologista Rodolfo Enrique Postigo Castro, de 60 anos, foi morto na frente da família durante um assalto ocorrido na praia do Perequê, no Guarujá, litoral de São Paulo.
Rodolfo, que é de Tatuí, havia acabado de almoçar com a família em um restaurante da orla quando todos decidiram dar uma volta no píer que existe no local para aproveitar a vista. Nesse momento, foram abordados por dois criminosos numa motocicleta.
A dupla roubou o celular da filha do médico e uma corrente de ouro de Rodolfo. Após o assalto, um dos criminosos efetuou dois disparos em direção às vítimas. Um dos tiros atingiu Rodolfo no peito. O médico foi socorrido, mas chegou já sem vida ao pronto-socorro da cidade.
Na Delegacia Central do Guarujá, onde o caso foi registrado, os familiares que estavam com Rodolfo no momento do crime apontaram, por fotografias, um rapaz de 17 anos como o autor dos disparos. É importante frisar que as três testemunhas indicaram o mesmo suspeito sem terem comunicação entre si.
E o mais chocante: o adolescente reconhecido pelos familiares havia sido apreendido por porte ilegal de arma de fogo no dia 17 de julho, duas semanas antes do latrocínio, mas foi liberado em seguida. Na abordagem em questão, ele estava com outros dois homens e levava uma pistola calibre 22.
O jovem chegou a oferecer o armamento à Guarda Civil para que não fosse levado à delegacia. Contudo, acabou encaminhado ao Distrito Policial. A arma foi apreendida e, como o adolescente estava acompanhado pela mãe e por um advogado, foi liberado.
Foi registrado boletim de ocorrência pelos atos infracionais análogos aos crimes de porte ilegal de arma de fogo e corrupção ativa. A liberação teve como base o Artigo 174 do Estatuto da Criança e do Adolescente, que diz “comparecendo qualquer dos pais ou responsável, o adolescente será prontamente liberado pela autoridade policial, sob termo de compromisso, exceto quando, pela gravidade do ato infracional, deva o adolescente permanecer sob internação para garantia de sua segurança pessoal ou manutenção da ordem pública”.
A Secretaria de Segurança Pública (SSP) informou que não pode comentar o caso e, até o fechamento desta página, o menor não havia sido localizado.
Ou seja, se nossas leis não fossem tão frouxas e se o rapaz tivesse ficado detido, não teria tido a chance de assassinar um pai de família 15 dias depois.
Só para constar: nenhum representante dos Direitos Humanos compareceu ao enterro de Rodolfo, realizado anteontem em Tatuí. Também ninguém da patota que adora defender bandido e assassino nas redes sociais publicou nota de lamento ou pesar.
Imaginem se fosse o contrário, com algum cidadão matando ou ferindo um assaltante, ainda que em legítima defesa? É por essas e outras que o Brasil está mergulhado na situação atual. A impunidade é completa, em todos os níveis. A falta de punição é um escárnio, uma chacota. E isso também corrói nossa sociedade.
Ignorada pela turma da lacração, a morte de Rodolfo causou comoção nas redes sociais entre amigos e pacientes. Pois, além de tirarem a vida de um pai de família, os criminosos também tiraram a vida de um profissional que se importava com os outros. Médico infectologista, ele atuava na linha de frente de combate ao coronavírus em hospitais de Tatuí e de Itapetininga. Alguns de seus pacientes se manifestaram, lembrando e agradecendo sua ajuda no enfrentamento e na recuperação da Covid.
E por que o rapaz atirou e matou o médico? Primeiramente porque é um monstro, um assassino cruel. E também pela certeza da impunidade. Enquanto não houver uma revisão de nossas leis, enquanto continuarmos a passar a mão na cabeça de criminosos, enquanto seguirmos tratando assassinos juvenis como crianças inocentes, seguiremos também chorando a morte dos justos e honestos. De pais de família que deixam órfãos, de gente que ajuda o próximo, mas que não é ajudado por esse País chamado Brasil.