Medalha de ouro para a humanidade
A simples realização dos Jogos Olímpicos foi a maior conquista para todos os envolvidos, já que a vitória foi sobre a pandemia
Anteontem foi encerrada mais uma edição dos Jogos Olímpicos. Em uma cerimônia singela e bastante representativa, a pira olímpica se apagou no estádio nacional de Tóquio e pôs fim a quase 20 dias de disputas esportivas que movimentaram os quatro cantos do planeta.
Foi o encerramento da Olimpíada mais diferente de toda a história. Até então, desde 1896 na Grécia, os Jogos Olímpicos nunca haviam sido disputados fora de um intervalo de quatro anos. Portanto, nunca tinham ocorrido em um ano ímpar como agora.
Também nunca houve Olimpíada com as arquibancadas vazias. Infelizmente, deu muita tristeza olhar para elas e imaginar a festa que as pessoas teriam feito durante os Jogos. Ainda mais em instalações esportivas fantásticas, muitas delas especialmente construídas para as disputas, e num cenário natural de Tóquio e sua mistura de antiguidade e modernidade.
Pela primeira vez também as medalhas foram colocadas no peito pelos próprios atletas. E tudo isso por conta de uma mera palavra: Covid. O mundo moderno, pós-guerra, nunca foi assolado por uma tragédia global como essa, que causou tantas mortes e sofrimento.
Apesar de tudo isso, os Jogos de Tóquio mostraram o inabalável desejo de superação do ser humano. Seja dos organizadores, que lutaram para realizar a Olimpíada e sofreram com adiamentos e indefinições se ela realmente iria ocorrer.
Seja dos atletas, que tiveram de se preparar e treinar em plena pandemia, em condições adversas, sem as provas de preparação, sem clubes e academias abertos, adaptando aparelhos e treinamentos. Seja dos espectadores e amantes dos esportes em geral, que não sabiam se os Jogos iriam acontecer.
Assim como de costume, os Jogos de Tóquio protagonizaram histórias de superação, como a da corredora holandesa que tropeçou e foi ao chão numa eliminatória de 1.500 metros, caiu literalmente para a penúltima colocação e, ainda assim, venceu a prova e o ouro na final.
Ou a da trajetória de nossa ginasta Rebeca Andrade, nascida em família humilde, que saiu da periferia para brilhar para o mundo. Ou da perfeição de uma chinesa de 14 anos que conseguiu notas 10 perfeitas nos saltos ornamentais.
Ou do técnico de vôlei Renan Dal Zotto, que voltou sem medalhas, mas renascido após superar duas intubações e quadro gravíssimo de Covid. Ou dos nadadores Bruno Fratus e Ana Marcela Cunha, o primeiro perseguindo uma medalha olímpica desde 2008, ela buscando a única conquista que faltava em sua estrelada e vitoriosa carreira.
Ou do nosso remador Isaquias Queiroz, bicampeão olímpico num esporte que até alguns anos atrás desconhecido no País. Ou a da dupla da vela Martine Grael e Kahena Kunze, em cujas veias devem correr água salgada em vez de sangue.
Ou de Laura Pigossi e Luisa Stefani, dupla feminina de tênis que salvou quatro match-points para trazer a primeira medalha olímpica desse esporte ao Brasil. Ou de Alison dos Santos, vítima de acidente doméstico quando era bebê -- uma panela de óleo quente caiu sobre sua cabeça e corpo deixando-o por quase um ano internado num hospital e com queimaduras e cicatrizes permanentes -- e bronze nos 400m com barreira aos 21 anos de idade. São tantas histórias bonitas, tantos momentos inesquecíveis.
Mas a maior superação de todas foi a coletiva. Foi conseguir realizar os Jogos mesmo com tantas adversidades e contratempos por causa da pandemia. Evidentemente que ninguém queria que fosse assim, sem a festa da torcida, sem os turistas andando por Tóquio.
Ninguém também queria que os atletas tivessem tantas restrições, como proibição de aglomeração, testagens de Covid quase que diárias, uso constante de máscaras. Mas chegou um determinado momento em que foi preciso decidir entre o que se queria, o que se sonhou, o ideal, e o que era de fato possível acontecer.
A simples realização dos Jogos foi a maior conquista para todo o mundo. Para os organizadores, para o povo japonês, para atletas, árbitros, técnicos e amantes de esportes.
A força de vontade, o alto desempenho e a emoção foram maiores do que tudo. Foram maiores até do que o coronavírus. Mesmo diante de um inimigo letal, traiçoeiro, invisível e imprevisível, podemos dizer que o ser humano venceu. Conquistou o ouro de forma brilhante nessa briga pela continuidade da vida.