Ainda não é hora de aglomerações
A conduta exemplar das escolas de samba e dos blocos carnavalescos sorocabanos constitui uma rara exceção no mar de insensatez
A prudência falou mais alto e Sorocaba abriu mão dos eventos carnavalescos pela segunda vez consecutiva, em nome da saúde e do bem-estar coletivo. O calendário situa a festa entre os próximos dias 26 de fevereiro e 1º de março, porém, a exemplo do que já ocorrera em 2021, neste ano o reinado de Momo ficará só no papel: a cidade não terá desfiles de escolas de samba e os blocos não sairão às ruas.
O sacrifício de uma das mais tradicionais manifestações da cultura nacional tem, novamente, por objetivos, evitar as aglomerações e outras características inerentes a esse tipo de atividade que possam propiciar a disseminação do novo coronavírus.
Vale salientar que a atitude ocorre em total consonância com o cenário atual da pandemia de Covid-19, devido à velocidade e à facilidade de contágio pela variante Ômicron. Embora detectada há apenas pouco mais de um mês na África do Sul, a nova cepa provocou uma explosão de infecções em todo o planeta, inclusive na Europa, nos EUA e no Brasil, onde os elevados índices de vacinação pareciam controlar a doença e permitiam que a vida começasse a voltar ao normal.
Embora os cientistas envolvidos no estudo das causas da pandemia, incluindo as lideranças da Organização Mundial da Saúde (OMS), ainda não tenham chegado a um consenso sobre a origem e as implicações da nova cepa, a maioria concorda que os fatores determinantes para a disseminação tão rápida tenham relação com as comemorações do Natal e do ano-novo.
Mesmo restritas, na maioria dos países, ao âmbito familiar, essas reuniões concentraram em espaços reduzidos -- geralmente sob um mesmo teto -- pessoas que não estavam mais em isolamento. Elas já mantinham, por exemplo, contato com colegas de trabalho e de escola. Estes, por sua vez, também haviam retornando a algumas esferas de convívio... e assim por diante.
O mais notável na decisão de cancelar o chamado “carnaval de rua” em Sorocaba -- tanto em 2022 como no ano passado -- é que a iniciativa não partiu do poder público. Ao invés de ser imposta por decretos ou normas governamentais, a suspensão dos desfiles e de outras programações destinadas ao público nasceu do discernimento das próprias lideranças e organizadores dos eventos, culminando com a concordância unânime das instituições ligadas às festividades.
A manifestação do bom senso dos carnavalescos sorocabanos começou a ser demostrada ainda em novembro do ano passado, quando a pandemia dava sinais de abrandamento e a maioria dos governos estaduais -- inclusive o paulista -- e municipais, focados na movimentação financeira, ainda nem cogitavam em cancelar a festa.
A União Sorocabana de Escolas de Samba (Uses), por decisão da maioria das suas oito escolas associadas, comunicou que não organizaria desfiles em 2022. A justificativa era a incerteza sobre a evolução da vacinação. Atitude idêntica e quase simultânea fora confirmada também pelo mais tradicional e antigo bloco carnavalesco da cidade, o “Depois a Gente se Vira”.
Nesta terça-feira (11), a Associação Cultural do Samba de Sorocaba (Acusa), entidade que reúne as demais escolas de samba de Sorocaba, concluiu o processo de consulta interna e também oficializou a decisão de cancelar os eventos previstos para 2022.
A programação iria ocorrer no Parque das Águas, com recursos captados junto à iniciativa privada, e incluiria desfile com a participação de quatro agremiações, além da festa de lançamento do Carnaval 2022 e da eleição da Corte do Carnaval, ambas agendadas para o dia 22 de fevereiro.
A conduta exemplar das escolas de samba e dos blocos carnavalescos sorocabanos, entretanto, constitui uma rara exceção no mar de insensatez que neste momento toma conta de alguns setores ligados ao entretenimento, esportes e até mesmo ao comércio.
Quem assistiu na TV à partida entre São José dos Campos e Corinthians, pela terceira rodada da Copa São Paulo de Futebol Júnior, na última segunda-feira (10), ficou surpreso com a superlotação do acanhado estádio do time do interior e, principalmente, pelo fato de as máscaras de proteção terem sido acintosamente excluídas.
Lamentavelmente, não é preciso ir tão longe para presenciar demonstrações explícitas de desapego à vida. Talvez no supermercado onde buscamos suprimentos para a casa já não encontremos o básico álcool em gel para higienização das mãos e, na hora de pagar a compra, as marcas no piso que deveriam continuar separando os clientes tenham perdido seu significado prático.
Que tal todos nós nos nortearmos pelo exemplo dos grupos carnavalescos da cidade e voltarmos a priorizar a vida? A nossa e as de todos os que nos rodeiam.