Um ‘não’ que precisa ser melhor avaliado

A vacina para a população na faixa dos 5 aos 11 anos não é obrigatória, ao contrário do que ocorre nos demais grupos

Por Cruzeiro do Sul

A nova agenda teve início na segunda-feira (17), para as crianças portadoras de comorbidades ou deficiências permanentes

O enfrentamento da Covid-19 vive mais um dos seus inúmeros momentos de contradições inexplicáveis. Enquanto milhares de adultos, especialmente moradores das grandes cidades, enfrentam filas quilométricas em busca de testes gratuitos ou desembolsam valores inflacionados em laboratórios oportunistas para detectar uma possível contaminação pelo vírus causador da pandemia, os postos que estão aplicando a vacina pediátrica contra a doença recebem um público bem abaixo da demanda calculada com base nos dados populacionais mais recentes.

A vacina para a população na faixa dos 5 aos 11 anos não é obrigatória, ao contrário do que ocorre nos demais grupos, porém, atende recomendação da comunidade científica internacional, como o FDA (agência reguladora de medicamentos americana), a Agência Europeia de Medicamentos (EMA) e a Organização Mundial da Saúde (OMS), tendo sido adotada em diversos países. No Brasil, a imunização desse grupo foi implementada pelo Ministério da Saúde (MS), após receber aval da Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa).

A nova agenda teve início na segunda-feira (17), para as crianças portadoras de comorbidades ou deficiências permanentes. Os demais grupos serão chamados logo em seguida. A meta estabelecida pelo MS é imunizar 20 milhões de crianças em todo o País -- o equivalente a aproximadamente 9,5% da população brasileira -- em até três meses. Somente em Sorocaba o público-alvo está estimado em 60 mil.

Ao anunciar os detalhes da expansão do programa de imunização contra o Sars-CoV-2 para beneficiar as crianças, o ministro da Saúde, Marcelo Queiroga, ressaltou a importância da vacinação desse público e deu garantias de que todas as normas e recomendações especiais previstas para a faixa dos 5 aos 11 anos serão devidamente cumpridas.

“As nossas crianças, que são o futuro do nosso País, merecem uma ênfase especial”, disse ele, acrescentando que sua pasta assumiu o compromisso com “os pais e mães brasileiros de fornecer doses para todos aqueles que quiserem vacinar seus filhos”.

Queiroga destacou que tudo foi planejado para garantir o máximo de segurança. A começar pela dosagem diferenciada -- a pediátrica tem um terço da que é aplicada nas pessoas com mais de 12 anos --, chegando até ao frasco com rótulo na cor laranja, para diferenciar da vacina para o público adulto, que é azul.

Lamentavelmente, o esforço do governo, assim como o empenho de cientistas e demais profissionais da área da saúde, ainda não foram suficientes para convencer muitos pais a tomar a decisão de estender aos filhos menores a proteção que a grande maioria dos adultos já recebeu. O “não” resiste até mesmo à comprovação real de que a vacina tem sido capaz de evitar milhares de mortes neste exato momento em que a variante Ômicron leva os hospitais ao nível mais elevado de ocupação -- inclusive nos leitos de UTI -- dos últimos sete meses.

O balanço dos dois primeiros dias da aplicação da vacina pediátrica contra a Covid demonstram na prática que as lições do passado e os alertas da ciência não foram assimilados. Em Sorocaba, por exemplo, a movimentação na maioria dos 29 postos disponibilizados para a aplicação da primeira dose ficou bem aquém do que se podia prever.

Na segunda-feira (17), a UBS do bairro Aparecidinha, por exemplo, aplicou apenas 12 doses durante todo o período da manhã, conforme dados obtidos pela reportagem do jornal Cruzeiro do Sul.

Embora as estatísticas deixem claro que a doença impacta muito mais os adultos, não se pode fechar os olhos para os riscos que representa para a população pediátrica. Em 2021, cada vez que um pai ou uma mãe internou uma criança com Covid-19, o risco de morte era de 7%.

Ou seja, a cada 15 crianças hospitalizadas, uma acabou não retornando para casa. Desde o início da pandemia, ao menos 2.500 crianças e jovens de zero a 19 anos -- 300 destas, entre cinco e 11 anos -- morreram em decorrência de infeção pelo novo coronavírus no Brasil.

Muitos pais, com certa razão, ainda têm dúvidas quanto à segurança da vacina. Nas redes sociais, há aqueles que assumem preferir aguardar “para ver os resultados” (...) “se é que saberemos a verdade”. Outros alegam desconfiar que “a verdade sobre os efeitos jamais será dita”.

Ninguém pode negar que ainda há incertezas com relação ao grau e ao período de eficácia das vacinas contra a Covid. Novos fatos e até reconsiderações surgem quase diariamente. Porém, é preciso ponderar sobre os riscos que se corre assumindo a opção de não vacinar.

Uma ponderação responsável deve levar em conta que um dos principais motivos para, enfim, o Ministério da Saúde iniciar a vacinação de crianças contra Covid-19 no Brasil é impedir casos graves e mortes nesse público e novas ondas de transmissões, sobretudo pelo surgimento de variantes.

Esta análise deve ter um peso especial na decisão daqueles pais indecisos, por não partir de instituições governamentais ou de laboratórios interessados em lucrar com a pandemia. Quem assina embaixo são entidades como a Associação Médica Brasileira (AMB), a Câmara Técnica de Assessoramento em Imunização da Covid-19 (CTAI-Covid) e mais 11 entidades médicas, como a Sociedade Brasileira de Imunizações, a Sociedade Brasileira de Infectologia e a Sociedade Brasileira de Pediatria (SBP), além de institutos de pesquisa.

Por fim, vacinar as crianças interferirá também na proteção indireta da população como um todo, já que aumentará a cobertura vacinal e diminuirá a circulação do Sars-CoV-2 e suas variantes. Como consequência, pessoas que não podem se vacinar, seja pela idade (crianças muito pequenas) ou por questões de saúde (os que têm restrições médicas), ficarão mais protegidas.

Então, vale ou não a pena repensar a decisão?