Congelamento de ICMS é tapar o sol com peneira

A atual política de preços dos combustíveis tem de ser rasgada e jogada fora imediatamente, sob o risco de estarmos levando a economia como um todo à falência

Por Cruzeiro do Sul

Depois de mais uma acirrada -- e eleitoreira -- queda de braço entre Estados e governo federal, os 27 governadores decidiram prorrogar por 60 dias o congelamento do Preço Médio Ponderado ao Consumidor Final (PMPF), a base de cálculo do Imposto sobre Circulação de Mercadorias e Prestação de Serviços (ICMS) que incide sobre os combustíveis. E daí? A primeira fase da complacência com data de validade diminuta, iniciada em novembro de 2021 e encerrada na segunda-feira passada (31), foi mais uma tentativa de tapar o sol com a peneira, sem efeitos práticos no bolso dos brasileiros. Mesmo quem não depende diretamente da gasolina, do etanol, ou do diesel para trabalhar, acabou pagando mais caro na hora de comprar alimentos, medicamentos ou quaisquer outros produtos. Afinal de contas, tudo precisa ser transportado de alguma maneira para chegar ao consumidor.

Lamentavelmente, não se deve contar com um saldo muito animador quando março chegar ao fim. Os motivos? Inúmeros! Atendo-se ao caso da gasolina, para começar, vale ressaltar que 45% -- quase metade! -- do valor desembolsado pelo consumidor é “comido” pelos impostos. Ou seja, cada vez que um cidadão enche o tanque do seu carro -- cerca de 50 litros, ao valor médio de R$ 6,50 por litro --, cerca de R$ 146,25 dos R$ 325,00 pagos ao posto vão parar nos cofres dos Estados e da União. Os restantes R$ 178,75 são decorrentes do preço do produtor ou importador de gasolina “A”, do custo do etanol que entra, obrigatoriamente, na formulação da gasolina “C” -- a que chega aos pontos de comercialização -- e, por fim, das margens de lucro das distribuidora e das revendas.

Quando o brasileiro para o seu carro ao lado da bomba de gasolina, além de girar uma importantíssima engrenagem da economia, também está pagando uma das mais altas tributações do planeta. Embora o ICMS, cobrado pelos Estados, seja apontado como o grande vilão da história, na verdade é apenas um dos itens que entram na intrincada taxação dos combustíveis. Além dele, contabiliza-se também outros três tributos, só que carreados para o Tesouro Federal. São eles, a Contribuição de Intervenção no Domínio Econômico (Cide), Programa de Integração Social (PIS) e Contribuição para Financiamento da Seguridade Social (Cofins). Esse trio representa, em média, 20% do preço ao consumidor.

No caso do ICMS, um complicador é a inexistência de valor fixo. Ele corresponde a um percentual do preço ao consumidor. Assim, quando o produto fica mais caro, o valor de ICMS a ser recolhido também aumenta, mesmo que a alíquota do imposto continue a mesma. Mas há uma peculiaridade aí. Esse preço ao consumidor não é, necessariamente, o valor que o motorista paga na bomba. No Brasil, os combustíveis fazem parte do regime de substituição tributária: os impostos são recolhidos na origem da cadeia -- nas refinarias de petróleo ou nas usinas de etanol. Por isso, ao vender o combustível para a distribuidora, a refinaria já embute no preço todos os tributos.

Porém, como distribuidoras e postos são livres para cobrar o preço que desejarem, a indústria não tem como adivinhar quanto o consumidor final pagará por aquele combustível. Para recolher o imposto estadual, a refinaria se baseia em um valor informado pela secretaria de Fazenda de cada Estado. Esse é, justamente, o Preço Médio Ponderado ao Consumidor Final (PMPF) que está congelado atualmente. Em outras palavras, não importa quanto o diesel, a gasolina ou o etanol vão custar na bomba. A alíquota do ICMS será cobrada sempre sobre o PMPF. Traduzindo para o português, os Estados cobram um imposto sobre imposto. Para complicar ainda mais, o tal PMPF varia de acordo com o Estado: vai do mínimo de 25%, cobrado em São Paulo, a 34%, vigente no Rio de Janeiro.

Como tem sido amplamente divulgado, o Brasil carece realmente de uma reforma tributária ampla e responsável para tornar a produção nacional mais competitiva no cenário mundial. Porém, a atual política de preços dos combustíveis, incluindo a tributação específica, tem de ser rasgada e jogada fora imediatamente, sob o risco de estarmos levando a economia como um todo à falência. Os motivos são simples e complicados ao mesmo tempo. Simples, porque todos sabem exatamente o que precisa ser feito para se chegar a uma solução que contemple todos os envolvidos. A complicação está no fato de que o caminho para esse desfecho ideal passa obrigatoriamente pelo Congresso Nacional, que, por sua vez, vagueia ao sabor das paixões e interesses politíco-partidários, incluindo, evidentemente, as eleições que já estão batendo à porta.