Proibido, mas nem tanto
Enquanto os pesquisadores estudam, o cigarro eletrônico se dissemina por todos os cantos do País
A Anvisa, Agência Nacional de Vigilância Sanitária, abriu, nesta segunda-feira (11), um processo de consulta à população sobre o uso de cigarros eletrônicos. O objetivo é reunir subsídios que permitam uma decisão sobre a liberação, ou não, desse tipo de produto no País.
Nessa etapa de participação social, a Agência apresenta um documento técnico chamado: Relatório Parcial de Análise de Impacto Regulatório e um formulário para envio de contribuições. O prazo para participar dessa discussão vai até 11 de maio.
Vale lembrar que os Dispositivos Eletrônicos para Fumar são proibidos no País pela Resolução da Diretoria Colegiada (RDC) nº 46/2009. E, desde 2019, o assunto vem sendo debatido pelos técnicos da Anvisa.
O problema é que, em alguns casos, o tempo da ciência é muito diferente do tempo da vida real. Enquanto os pesquisadores estudam, há anos, teorias e possíveis efeitos danosos, o cigarro eletrônico se dissemina por todos os cantos. É fácil encontrar o produto à venda nas ruas, no comércio e nos sites. E seu consumo está cada vez mais presente nas escolas, nos bares e nas baladas.
Reportagem publicada na edição de sábado (9) do jornal Cruzeiro do Sul mostrou que o uso de cigarros eletrônicos pelos adolescentes tem colocado colégios brasileiros em alerta. A preocupação cresceu neste ano, com a retomada das aulas presenciais. O consumo é comum em ambientes reservados, como nos banheiros, nas quadras esportivas e mesmo no fundo das salas de aula. Há casos até de venda dos dispositivos nas escolas.
Colégios privados tentam dividir, com os pais, informações sobre o assunto. Os comunicados são constantes. As escolas também abordam o tema em aulas que apresentam aos estudantes os riscos da substância, vista muitas vezes como inofensiva. O desafio do cerco ao cigarro eletrônico, no entanto, é grande: como são discretos e coloridos, na maioria das vezes, passam despercebidos pelos professores e inspetores de aluno.
A professora Luciana Nogueira, do Departamento de Educação da Universidade Estadual Paulista (Unesp), diz ter recebido relatos de colégios sobre o problema e afirma que a visão positiva em relação ao cigarro eletrônico torna o dispositivo ainda mais perigoso. Diferentemente do cigarro tradicional, que tem cheiro forte e incomoda quem está perto, o eletrônico é socialmente aceito, “como algo cool, legal, da moda”.
Ela alerta que mesmo dispositivos eletrônicos sem nicotina são viciantes, já que o vício de fumar não tem apenas origem química, mas principalmente psíquica. “Eles estão adquirindo o hábito de levar um objeto à boca e tragar”, diz Luciana, especialista em vulnerabilidades da adolescência.
Várias entidades brasileiras ligadas ao tratamento do câncer lutam contra a liberação dos cigarros eletrônicos. Estudos do Instituto Nacional do Câncer (Inca) apontam que o uso de cigarro eletrônico aumenta em mais de três vezes o risco de migração para o cigarro convencional. Segundo os dados levantados pelo órgão do Ministério da Saúde, os “vapes”, como também são chamados, expõem o organismo a uma variedade de elementos químicos tão maléficos quanto os cigarros tradicionais.
O diretor-executivo da Fundação do Câncer, Luiz Augusto Maltoni comparou, em entrevista recente, as composições do cigarro eletrônico e dos cigarros tradicionais.
“Os dois são muito maléficos para a saúde da população. Como não há queima por combustão, os equipamentos eletrônicos realmente têm um número menor de substâncias tóxicas e cancerígenas, mas elas estão presentes, sim. Por outro lado, a concentração de nicotina é muito alta, podendo ser superior em duas ou três vezes a de cigarros normais. E essa substância causa dependência. Então vamos trocar um mal pelo outro”, explicou Maltoni.
Os pais devem estar atentos a essa nova realidade. O diálogo com os filhos é fundamental para evitar que essa nova “praga” do mundo moderno se instale definitivamente. A sociedade como um todo lutou durante décadas para reduzir o consumo do cigarro tradicional. O mais difícil foi convencer os usuários dos riscos que o fumo causava à saúde. Medidas extremas foram implementadas em várias cidades para dificultar a prática. Será um retrocesso, agora, a entrada de uma nova droga que também provoque danos às pessoas.
O que mais surpreende é que na era da informação, da vida saudável e da sustentabilidade ainda tenhamos de explicar, aos nossos jovens, que o consumo desse tipo de droga causa mais prejuízo do que satisfação.