O mundo virtual escondido nas profundezas
Nossos iluminados representantes só esquecem que os verdadeiros criminosos não ficam à mostra nas redes sociais
Representantes do Congresso Nacional e do Supremo Tribunal Federal (STF) decidiram culpar a internet e as redes sociais por todas as mazelas enfrentadas pela sociedade.
Segundo a teoria deles, é por causa do excesso de liberdade dos usuários que se propagam diversos crimes de violência, de ódio, de racismo, de pedofilia e de tudo de ruim que possa se imaginar.
O mantra usado por eles é cercear a liberdade e criar o máximo de problemas para as empresas que se recusarem a censurar contas, mensagens e derrubar perfis que não estejam alinhados com o pensamento dessas “autoridades”.
Nossos iluminados representantes só esquecem que os verdadeiros criminosos não ficam à mostra nas redes sociais. Eles têm um caminho próprio para circular pelo mundo virtual, marcar encontros e disseminar o terror. Quem realmente coloca a sociedade em risco está, muito bem escondido e protegido, na Deep Web, um lugar onde as leis não chegam.
A Deep Web corresponde a uma parte específica da rede que não fica registrada nos provedores convencionais. Ela tem um sistema de nomeação fora dos padrões que a maioria dos internautas conhece e lá ninguém segue os princípios e protocolos dos domínios usados na rede.
A internet pode ser exemplificada como um grande iceberg e a parte que conhecemos, aquela que fica fora da água, é muito menor que todo o gelo escondido debaixo da superfície. O mundo da Deep Web, da Dark Web, da Dark Net, e de outros movimentos tão nefastos quanto, só é visto por quem conhece o sistema a fundo.
E não há lei que consiga impedir os ataques que surgem dessas profundezas. Só na Dark Web mais de 2,5 milhões de usuários, espalhados pelo mundo todo, atuam diariamente gerando o caos.
O Brasil é um dos países mais atuantes do mundo no uso desse tipo de tecnologia, só fica atrás da Índia e da Rússia. Essa é a realidade nua e crua. Acreditar que cercear a liberdade dos usuários nas redes sociais vai reduzir a criminalidade é muita ingenuidade.
O melhor caminho para uma sociedade melhor é deixar que ela mesma se conscientize dos abusos cometidos por esse ou aquele indivíduo e saiba diferenciar o certo do errado. O processo é mais longo, mas o resultado compensa os esforços.
Enquanto o Congresso demorou três anos para tentar discutir e criar uma legislação restritiva, muita coisa mudou no mundo virtual. A evolução é tão grande que fica difícil acompanhar. Atualmente, imagens produzidas por programas de inteligência artificial podem ser usadas para criar arte, experimentar roupas em provadores virtuais ou ajudar a desenvolver campanhas publicitárias.
Os estudiosos no assunto, porém, temem que o lado sombrio dessas ferramentas, facilmente acessíveis, possa piorar algo com potencial para prejudicar a todos, as deepfakes.
Deepfakes são vídeos e imagens que foram criados ou alterados digitalmente com inteligência artificial ou aprendizado de máquina. Com esse tipo de instrumento você pode produzir um filme com um determinado personagem (político, artista ou jogador de futebol, por exemplo) em situações nunca vividas por ele.
Esses arquivos, quando espalhados na rede, podem ser vistos por milhões de pessoas e nem sempre se consegue provar que aquilo não passou de uma fantasia gerada por uma mente doentia qualquer. Ano a ano, esse tipo de artifício é produzido em escala maior e fica cada vez mais complicado para a vítima provar que aquilo é falso.
Como se percebe, é praticamente impossível controlar a internet e todas as suas variáveis. Tentar fazer esse controle utilizando medidas restritivas à liberdade de expressão soa ainda pior. Um único país será incapaz de resolver o problema sem a parceria de outros atores globais.
Vai ser necessária uma discussão muito mais abrangente para se chegar a uma solução que seja satisfatória para a maioria. Até lá devemos evitar, e impedir, que arroubos autoritários tentem impor, em nome de uma falsa segurança, limites ao direito da população de expressar-se.