O avanço descontrolado de um monstro chamado censura
Casos e mais casos começam a surgir em todos os cantos do País e atingir a todos, influenciadores digitais, jornalistas, comediantes e até grandes emissoras de televisão
A censura, no Brasil, vem crescendo assustadoramente nos últimos meses. Jornalistas, produtoras de conteúdo, posts nas redes sociais, tudo vem sendo proibido em nome de proteger a sociedade. Só que a Justiça, ao tomar esse tipo de atitude, está ferindo preceitos fundamentais presentes na Constituição Federal, a liberdade de expressão e o direito à informação.
O problema começou a se agravar, no ano passado, nas eleições presidenciais. O Tribunal Superior Eleitoral (TSE) abusou do direito de defender a censura. Um dos casos mais polêmicos foi a manutenção unânime da liminar que proibiu a exibição do documentário “Quem mandou matar Jair Bolsonaro”, realizado pela produtora Brasil Paralelo. Naquele julgamento, em outubro de 2022, a ministra Cármen Lúcia, que além de fazer parte do Supremo Tribunal Federal também compõe a corte eleitoral, disse que “não se pode permitir a volta de censura” no País. Ela chegou a demonstrar preocupação com algumas decisões e posições de magistrados que estavam sendo tomadas durante a campanha. Apesar desse discurso, Cármen Lúcia acabou votando a favor da censura, no que considerou uma decisão de exceção.
De lá para cá, o que se viu, foi um aumento considerável de casos de censura. Juízes e desembargadores começaram a adotar o exemplo dado pelas altas cortes. Daí por diante, a coisa começou a sair do controle. Casos e mais casos começam a surgir em todos os cantos do País e atingir a todos, influenciadores digitais, jornalistas, comediantes e até grandes emissoras de televisão.
Uma das mais recentes vítimas dessa sanha dos censores modernos foi o comediante Leo Lins. Uma ordem judicial determinou a remoção do show dele das plataformas digitais. A juíza paulista, Gina Fonseca Corrêa, proibiu ainda o artista de manter, transmitir, publicar, divulgar, distribuir, encaminhar ou realizar download de quaisquer arquivos de vídeo, imagem ou texto, com conteúdo depreciativo ou humilhante a qualquer categoria considerada minoria ou vulnerável. A mesma determinação vale para os shows do humorista.
Além do termo “categoria considerada minoria ou vulnerável”, a magistrada definiu na medida cautelar que conteúdos “em razão de raça, cor, etnia, religião, cultura, origem, procedência nacional ou regional, orientação sexual ou de gênero, condição de pessoa com deficiência ou idosa, crianças, adolescentes e mulheres” também estão proibidos. O comediante ainda está proibido de sair de São Paulo por mais de dez dias sem autorização judicial e pode também ser multado. Um exagero e tanto para alguém que vive somente de piadas.
Não se discute aqui a qualidade do trabalho de Leo Lins. Essa questão é muito subjetiva e pode variar muito de acordo com o espírito de quem ouve cada apresentação e se considera o teor das piadas ofensivo ou não. O que se precisa garantir é o direito dele de se expressar e a própria sociedade vai poder julgar se ele merece, ou não a devida atenção.
A decisão da Justiça paulista foi criticada pelo também humorista Fábio Porchat, que classificou o episódio como “uma vergonha”. Como disse, no século XIX, a escritora britânica Evelyn Beatrice Hall, “Posso não concordar com nenhuma das palavras que você disser, mas defenderei até a morte o direito de você dizê-las”. E é isso que prega a nossa Constituição.
No bojo dessa avalanche de decisões que punem a liberdade de expressão, outra vítima recente é a TV Globo. Uma liminar do Tribunal de Justiça do Rio de Janeiro, assinada pela juíza que cuida do caso Elizabeth Machado Louro, proibiu que a empresa exibisse nesta quinta-feira (18), um programa que abordaria o assassinato do menino Henry Borel, de 4 anos, em 2021. O pedido foi feito pela defesa do ex-vereador Jairo Souza Santos Júnior, conhecido como Dr. Jairinho, um dos envolvidos no crime.
Nos bastidores da Globo, a decisão caiu como uma bomba e foi vista como censura prévia. Só que muitos dos que hoje reclamam aplaudiram outras decisões judiciais que suspenderam direitos de se comunicar de influenciadores, jornalistas e humoristas.
O que se deve ter em mente, nesse tipo de situação, é que a censura é um monstro que não tem limites. Vai avançando sobre a liberdade de expressão e o direito de livre informar. Se não for contida, em breve, todos seremos punidos. É bom lembrar que pau que bate em Chico, bate também em Francisco.