Popular, ‘ma non troppo'
O programa de ressurreição do "carro popular" virou uma grande colcha de retalhos que, no fundo, quem vai pagar a conta é o próprio consumidor
Governo Lula, no afã de tomar medidas populistas, acabou provocando uma enorme confusão no mercado automobilístico. Na tentativa de ouvir o pleito de seus colegas sindicalistas do ABC preocupados com o fechamento de vagas nas fábricas, o presidente da República encomendou um açodado programa de ressurreição do “carro popular”, uma das marcas do ex-presidente Itamar Franco.
Com o objetivo de aproveitar o Dia da Indústria, comemorado no 25 de maio, o governo lançou um programa sem pé nem cabeça e muito menos sem recursos financeiros no orçamento para bancá-lo. Preocupado com o rombo ainda maior das contas públicas, o ministro da Fazenda, Fernando Haddad, jogou água no chope de Lula e pediu um tempo para estruturar o programa e descobrir de que lugar poderia sair o dinheiro para pagar o gasto dessa mais nova sandice.
Só que o mercado é cruel. Assim que foi percebida a falta de sintonia entre o presidente e seus ministros, as vendas de veículos desabaram. De um lado o consumidor deixou de comprar esperando a definição do desconto. Do outro, as montadoras e concessionárias que reduziram o ritmo aguardando orientações. Como se não bastasse esse efeito nas vendas de carros novos, o anúncio sem lastro, causou estrago também no mercado de usados. A procura caiu nesse segmento e a desvalorização foi grande. Tudo isso por conta da pressa do Palácio do Planalto em inventar “boas notícias” baseadas no marketing e não na realidade do País.
Foram dez longos dias até que o Governo anunciasse, de fato, o que pretendia oferecer para o mercado automotivo. E o que se viu foi uma confusão ainda maior. Foram misturados, no mesmo balaio, situações e necessidades muito diferentes. O financiamento para a renovação de frota de caminhões e ônibus com mais de vinte anos acabou junto com o incentivo de venda de veículos. Assuntos que não se misturam.
Basta imaginar a situação de um caminhoneiro autônomo. Se ele é obrigado a rodar com um veículo velhinho não por vontade própria e sim pela falta de recursos que a própria profissão lhe remunera. Não é com um bônus oferecido pelo Governo que ele vai conseguir saltar da situação atual para a boleia de um caminhão novinho em folha. Esse profissional, como tantos outros que lutam no mercado, vai precisar galgar posições lentamente. Talvez comprando primeiro um veículo com dez anos de uso, depois um com cinco anos de uso, até um dia, quem sabe, chegar ao sonho de um “zero quilômetro”. Não existe na sociedade real o passe de mágica pretendido pelo presidente Lula, especializado em vender ilusões e picanha.
Da mesma forma, o plano anunciado na segunda-feira (5) não foi suficiente para fazer brotar sequer um sorriso nos lábios das montadoras. Elas acreditavam num auxílio um pouco mais polpudo e não foi isso que receberam. De quebra o Governo ainda excluiu dos descontos e benefícios as pessoas jurídicas que são as que mais têm capacidade em adquirir veículos novos e movimentar o pátio das fábricas nesse momento.
O que se viu durante a cerimônia de lançamento do programa, mais uma vez, foi a falta de sintonia entre os ministérios de Lula. De um lado Haddad dizia que o desconto valeria por 15 dias. Do outro o vice-presidente e ministro da Indústria, Geraldo Alckmin, falando que o programa duraria 4 meses. A única coisa que os dois estavam de acordo era no valor do gasto público: R$ 500 milhões. Passando esse limite de “incentivos”, o desconto acaba. O ministro da Fazenda ainda destacou que esse valor seria suficiente para reduzir a crise no setor automotivo até que os juros determinados pelo Banco Central caíssem. O que Haddad sabe, e não disse, é que mesmo que os juros comecem a cair, o movimento será lento e não vai refrescar em nada o mercado como um todo.
Além disso, Lula criou uma nova armadilha para si mesmo. O dinheiro que sairá dos programas anunciados virá da volta da cobrança dos impostos federais no preço do diesel. Em 90 dias, o governo vai voltar a cobrar em tributos por litro do diesel R$ 0,11 dos R$ 0,35 que haviam sido desonerados. Uma medida que desagrada empresas, caminhoneiros, aumenta o valor do frete e pode, no fim da linha, realimentar a inflação dificultando que o BC intensifique a redução de juros.
Como se pode notar, o programa de ressurreição do “carro popular” virou uma grande colcha de retalhos que, no fundo, quem vai pagar a conta é o próprio consumidor. São milhões de brasileiros que vão custear o carro novo de uns poucos abonados felizardos. Para se ter uma ideia, quem ganha salário mínimo, precisaria guardar todo o seu dinheiro, por quatro anos seguidos, sem gastar nada, para ter a chance de comprar o mais barato dos carros nacionais oferecidos. Uma tarefa que nem um super-herói é capaz de executar.