O calcanhar de aquiles brasileiro

Os 30 dias de junho tiveram o maior número de queimadas registradas para o mês, na Amazônia e no Cerrado, nos últimos 16 anos

Por Cruzeiro do Sul

Queimadas na Amazônia preocupam

Um dos principais objetivos do presidente Lula na reunião do Mercosul, em Puerto Iguazú, na Argentina, é convencer os aliados da América do Sul a cerrar fileiras contra as novas exigências ambientais propostas pelo União Europeia. A concordância com tais imposições afetaria diretamente o agronegócio brasileiro e, por conseguinte, as exportações do País. Além disso, criaria uma série de vantagens e proteções aos produtores rurais europeus em detrimento de nossos agricultores.

O problema é que os números ambientais brasileiros não favorecem muito o discurso do presidente. Apesar de todo o falatório do Governo Federal, a Amazônia continua sendo um grande calcanhar de aquiles para as pretensões brasileiras.

Para se ter uma ideia do tamanho do problema, foram registrados ao menos quatro focos de incêndio por hora na floresta. Os 30 dias de junho tiveram o maior número de queimadas registradas para o mês, na Amazônia e no Cerrado, nos últimos 16 anos. Os dados não são de ONGs alarmistas, nem da oposição, são dados oficiais divulgados pelo Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (Inpe). Foram detectados 3.075 focos de incêndio na Floresta Amazônica, número que só é menor do que os 3.519 contabilizados no mesmo mês de 2007, época em que Lula também era o presidente do Brasil. O primeiro semestre como um todo apresentou aumento em relação ao mesmo período do ano passado, último ano de Jair Bolsonaro, sempre severamente criticado por supostamente agir contra os preceitos defendidos pelos ambientalistas. Nos primeiros seis meses de 2023, foram 8.344 registros, ante 7.533 em 2022, um crescimento de 10% no bioma. Só que a grita de quem se diz defensor da natureza, agora, é bem menor. Muitos ainda tentam culpar a própria natureza, pelo aumento nos focos de incêndio na floresta, discurso que nunca foi aceito durante os quatro anos de Bolsonaro.

O Cerrado brasileiro também apresentou aumento de queimadas em junho, mas menor do que o crescimento na Amazônia. Em 2022, haviam sido 4.239 focos de incêndio no segundo maior bioma do Brasil e savana mais biodiversa do mundo. No mesmo mês deste ano foram 4.472 ocorrências, um crescimento de 5%. Os dados para o mês só não são maiores do que os registrados em 2007, quando 7.051 focos de incêndio foram contabilizados no bioma pelo Inpe. Diante desses dados catastróficos, o Ibama, reformulado no novo governo, preferiu enfiar a cabeça na terra a comentar o desastre ambiental vivido no Brasil.

Os técnicos do órgão federal sabem que vão ter muito ainda que se explicar durante o ano todo. As queimadas estão batendo recordes antes mesmo do pior momento de seca, principalmente na região Norte, atingir o País. Claro que já há uma desculpa pronta. A responsabilidade será creditada ao fenômeno El Niño.

No início de junho, a Administração Nacional de Atmosferas e Oceanos (NOAA, na sigla em inglês) lançou um alerta confirmando a presença do sistema. “Dependendo de sua força, o El Niño pode causar uma série de impactos, como aumentar o risco de chuvas fortes e secas em determinados locais do mundo”, disse Michelle L’Heureux, cientista do clima do Climate Prediction Center. No caso da região amazônica, a previsão é de chuvas abaixo da média, o que potencializa a possibilidade de surgimento dos focos de incêndio.

Só que quem está do outro lado da mesa, na hora de negociar, só se prende à frieza dos números, não importando muito em que condições eles foram produzidos. Esse tipo de situação tira muita força do discurso de Lula. A imagem do Brasil, no exterior, continuará marcada por ser um país que não protege a natureza.

Além disso, a Argentina, também um grande produtor de grãos, quer se aproveitar do momento de fragilidade brasileira para acelerar o acordo com a União Europeia, mesmo diante de condições tão prejudiciais ao Brasil. A preocupação deles é garantir vantagem exatamente no ponto que suscitamos dúvidas ao mercado internacional. O governo de Alberto Fernández, que vive seu ocaso, só esquece que aguarda, ansiosamente, dinheiro brasileiro, numa cifra vultuosa, para a construção de um gasoduto que também enfrenta sérias restrições ambientais. Desagradar o vizinho, neste momento, para levar vantagem comercial, não parece ser uma boa ideia.

O governo Lula quer exigir que a Europa retire suas exigências ambientais para fechar o acordo com o Mercosul, mas para que isso ocorra, vai ser necessário mais que discurso. O País precisa de bons números para mostrar, e essa tarefa, pelo menos este ano, vai ser difícil de ser cumprida.