De olhos abertos com a China
A entrada de muito dinheiro chinês nos países do nosso continente tem prejudicado os negócios do Brasil
As duas maiores superpotências mundiais, Estados Unidos e China, têm pelo menos uma coisa em comum: dívidas impagáveis. Os norte-americanos chegaram, no final de 2022, a mais de U$ 32 trilhões em débitos. Número que vem crescendo ano a ano.
Na China a situação é um pouco mais complexa. Como o país esconde muito suas informações, é difícil precisar o tamanho do rombo. Pesquisadores ligados a bancos internacionais avaliaram que, no mês passado, a dívida total chinesa teria atingido 282% do Produto Interno Bruto (PIB) anual do país. Isso significa que eles precisariam gastar tudo que arrecadam, durante três anos, só para pagar as contas. Uma missão praticamente impossível.
Nessas condições a única maneira de sobreviver é rolar essa dívida com novos negócios, acelerar a economia e cobrar juros acima do mercado internacional dos países que necessitam de ajuda financeira. Esse foi o modelo adotado pelos Estados Unidos por décadas e que vem sendo brilhantemente copiado pela China.
A busca constante por esses novos mercados se torna uma disputa que vai muito além da ideologia dos dois países. Enquanto os Estados Unidos se notabilizaram por ajudar nações mais ricas e estáveis, a China investe em áreas mais periféricas, desesperadas por algum recurso financeiro.
Por muitos anos, o alvo preferido da China foi a África. Dezenas de projetos milionários foram feitos em diversos países, principalmente na costa leste do continente. Em muitos casos, os asiáticos não mandavam apenas o dinheiro, mas também a mão de obra para tocar as construções.
Era muito comum encontrar milhares de chineses embarcados em navios durante a execução dos serviços em terra. Os trabalhadores só saíam do alojamento para a jornada e voltavam, no final da noite, depois de horas de labuta.
Só que o retorno dos investimentos chineses na África não se mostrou suficiente para manter a economia em alta e foi necessário expandir mais, principalmente depois da pandemia da Covid-19. O objetivo agora é a América do Sul.
A entrada de muito dinheiro chinês nos países do nosso continente tem prejudicado os negócios do Brasil. Em uma década, nossa participação na venda de produtos para nossos vizinhos caiu pela metade.
Se o Brasil não tivesse perdido esse espaço, poderia estar exportando, atualmente, 30% a mais.
Os dados fazem parte de um estudo feito pela Federação das Indústrias do Estado de São Paulo (Fiesp) em parceria com o Centro Brasileiro de Relações Internacionais (Cebri). A situação pode piorar, com a aproximação da China com a Argentina e o Uruguai.
O governo uruguaio ameaçou até romper com os parceiros do Mercosul se não for autorizado a fechar um acordo bilateral de livre comércio com a China. A Argentina, que vive um tenso momento econômico e eleitoral, suplica a olhos vistos por mais e mais investimento chinês. As duas situações só servem de alerta para o Brasil, que deve perder ainda mais espaço no comércio internacional nos próximos anos.
Um dado relevante, levantado pela pesquisa, é que mais de 70% dos segmentos nos quais o País perdeu participação de mercado na América do Sul são tradicionais na indústria nacional de transformação: máquinas e equipamentos, produtos químicos e plásticos, além de metais como ferro, aço e alumínio.
Se forem consideradas somente as aquisições de bens de consumo, a queda de participação dos produtos brasileiros nos países sul-americanos teve um encolhimento de 27,6 pontos porcentuais em dez anos.
O avanço chinês se dá não só no exterior. Várias empresas brasileiras já foram adquiridas pelos asiáticos, tanto na área de serviços, como na agricultura e na distribuição de energia. Quanto maior for o avanço, mais vulnerável será a nossa posição perante o mercado.
A China é um grande importador de nossos produtos, mas precisamos ser mais que um mero vendedor de commodities, temos que firmar posição para que, num futuro próximo, não nos tornemos apenas mais um satélite que gira em torno das estratégias e vontades do presidente Xi Jinping e da cúpula do partido comunista chinês.