Farra no céu do Brasil
Muitos ministros nomeados pelo presidente Lula têm usado as aeronaves da FAB para passar o final de semana em seus redutos eleitorais
Desde a inauguração de Brasília, em 1960, deslocar-se semanalmente para trabalhar na capital federal virou um problemão para muita gente.
O alto custo do transporte já fez profissionais de gabarito recusarem cargos na administração pública. Ao longo dos tempos, foram criados vários jeitinhos para contornar o problema. Em alguns casos, os custos para patrocinar essas artimanhas acabavam parando no bolso da população.
Durante décadas, aeronaves da Força Aérea Brasileira (FAB) foram utilizadas, aos montes, para transportar as cabeças mais coroadas do governo federal e esse valor abusivo acabou sendo pago, muitas vezes, por aqueles que mal têm recursos para tomar um ônibus.
O abuso chegou a tal nível que foi necessário um decreto presidencial para acabar com a farra. O primeiro foi publicado em 2002, no final do mandato do presidente Fernando Henrique Cardoso. De lá para cá, várias versões foram produzidas. Umas mais liberais e outras bem mais restritivas.
No governo do presidente Bolsonaro, em quatro anos, pouco se ouviu falar sobre o assunto. Bastou mudar o comando do país e a farra voltou a ser liberada. Em muitas situações, o ministro da ocasião inventa uma desculpa esfarrapada para justificar a confortável volta para casa nas asas da FAB.
O caso mais escabroso aconteceu logo nos primeiros meses deste ano. O ministro das Comunicações, Juscelino Filho, usou um avião da Força Aérea para viajar a São Paulo, onde participou de um leilão de cavalos de raça no interior do Estado.
A denúncia quase custou o posto dele no ministério, mas aí veio a operação abafa, ele foi mantido no cargo e, acredite se quiser, absolvido pela Comissão de Ética Pública da Presidência. Um tapa na cara de toda a sociedade.
Esse tipo de atitude só facilita o descontrole do uso dos bens públicos. Muitos ministros nomeados pelo presidente Lula têm usado as aeronaves da FAB para passar o final de semana em seus redutos eleitorais. Para justificar essa manobra, toda sexta-feira, os gabinetes inventam agendas para a cidade natal do ministro, justificando assim o emprego da aeronave. Uma realidade vergonhosa.
Para se ter uma ideia, o custo dessas viagens aos cofres públicos chega a R$ 70 mil, enquanto uma viagem em voo comercial sairia, em média, por um valor entre R$ 1 mil e R$ 3 mil, isso se considerarmos o preço da tarifa cheia.
O ministro da Fazenda, Fernando Haddad, por exemplo, viajou 14 finais de semana para São Paulo em aeronaves da FAB. O petista adotou a rotina de trabalhar na capital paulista, onde mora, às sextas-feiras, e só retorna a Brasília no início da semana.
É comum Haddad viajar acompanhado da esposa, a secretária da Saúde Digital do Ministério da Saúde, Ana Estela. Em todo o ano, o ministro solicitou 38 voos da FAB. Desse total, em 20, ele deu carona para a própria mulher. Vale lembrar que é Fernando Haddad o homem responsável por zelar pelos recursos públicos.
O ministro da Justiça e Segurança Pública, Flávio Dino, que foi governador do Maranhão, já foi 12 finais de semana para São Luís utilizando-se de jatos da FAB. Aí, a situação é ainda mais grave, já que em dez dessas viagens, ele sequer tinha compromissos oficiais agendados.
O descontrole chegou a tal ponto, que o deputado federal Nikolas Ferreira protocolou uma notícia-crime e uma representação por improbidade a respeito do uso irregular de aeronaves da Força Aérea Brasileira. Ele pede que cinco ministros sejam investigados.
O cientista político André Rosa, do Centro Universitário do Distrito Federal (UDF), considera essa atitude como uma prática patrimonialista das grandes oligarquias que sempre estiveram presentes em nosso país. O mais engraçado é que o problema ocorre em volume maior durante os governos do partido que diz representar o povo e o trabalhador.
A farra com os aviões da FAB tem de cessar imediatamente. Não é possível que ministros bem remunerados usem esse tipo de artifício para enganar as regras ditadas pelo próprio governo.
Funcionários assim não merecem ser mantidos nos cargos, ainda mais com todo o peso e responsabilidade que um ministério possui. Quem não cuida bem dos recursos públicos não pode, em lugar nenhum do mundo, ser responsável por administrá-los.