Quem vai acabar com o mico na mão?
O vilão da vez é o juro do crédito rotativo, principalmente aquele que incide sobre as dívidas contraídas junto a operadoras de cartão
O sistema financeiro, de qualquer lugar do mundo, é inteiramente interligado. Basta mexer uma única peça para provocar um grande desequilíbrio. É o que está acontecendo, hoje, no Brasil. Governo e Parlamento buscam saídas para reduzir as taxas de juros e melhorar a vida da população, mas o efeito real dessas alterações só vai poder ser avaliado depois da implementação. Aí pode ser muito tarde para corrigir.
O vilão da vez é o juro do crédito rotativo, principalmente aquele que incide sobre as dívidas contraídas junto a operadoras de cartão de crédito. Ninguém nega que essas taxas estejam nas alturas. Muito além do que seria compreensível pelo ser humano comum. Só que a redução forçada, sem levar em conta a posição dos agentes financeiros, pode limitar, ainda mais, o acesso ao crédito para milhões de brasileiros.
Mesmo com esse risco, um projeto de lei está caminhando, de forma acelerada, no Congresso. Na terça-feira, 5, a Câmara dos Deputados aprovou o texto que remete ao Conselho Monetário Nacional (CMN) a fixação de limites para os juros do cartão de crédito. De acordo com o que foi aprovado, as empresas emissoras de cartão de crédito e de outros instrumentos de pagamento pós-pagos deverão apresentar ao CMN uma proposta de autorregulação das taxas de juros e de encargos financeiros cobrados no crédito rotativo e no parcelamento de saldo devedor das faturas de cartões de crédito. Os limites deverão ser anuais e apresentados com fundamento. Caso isso não ocorra, no prazo de 90 dias, contados da data da publicação da futura lei, o total cobrado de juros e encargos não poderá ser superior ao valor original da dívida contraída.
O autor do projeto, deputado Elmar Nascimento lembrou que o limite dos juros a 100% da dívida já ocorre na Inglaterra. “Estamos baixando os juros anuais de 440%, na média, para 100%, uma redução de 340%, uma redução significativa e muito importante”, explicou o parlamentar. Ele disse ainda que o texto foi amplamente negociado com os bancos, com o Banco Central e o Ministério da Fazenda.
Só que os bancos não pensam bem assim e querem que ocorra uma distribuição dos riscos da operação entre todos os agentes envolvidos no processo. Sem essa garantia, a operação seria inviabilizada. O raciocínio é simples: o consumidor, na hora de pagar uma compra com cartão de crédito, aciona simultaneamente um banco emissor, uma empresa de maquininhas, uma bandeira e um estabelecimento comercial. Todos esses “players” participam do negócio, só que o risco final da operação acaba na mão dos bancos já que cada compra realizada com cartão gera um recebível, um documento que diz que o lojista tem o direito a receber aquele valor do banco que emitiu o cartão no prazo de 28 dias. O pagamento é honrado pelo banco mesmo que o comprador não pague a fatura isso quer dizer que é o banco quem garante o pagamento ao lojista ou à maquininha que antecipou os recursos. Como a possibilidade de inadimplência é grande, os juros precisam ser elevados. Se houver a distribuição de responsabilidades, os juros podem ficar menores. O que ninguém quer é ficar com o mico na mão.
A reclamação dos bancos é que, do jeito que está no projeto de lei, o risco da operação continua o mesmo, e a remuneração desaba. Eles alegam que não se pode mexer apenas em uma parte do sistema, sem alterar as regras para todos. Se isso ocorrer, vai ser necessário impor restrições na hora de fornecer o cartão de crédito para uma pessoa física ou jurídica. Só bons pagadores serão beneficiados.
As empresas ligadas ao setor de maquininhas acham as críticas dos bancos ao projeto exageradas. Segundo elas, o objetivo é conseguir apoio do BC, do Ministério da Fazenda ou do Conselho Monetário Nacional (CMN), para limitar o parcelado das vendas.
Como o projeto de lei ainda vai ser votado no Senado, e se for alterado, volta para a Câmara, muita água ainda vai passar por baixo dessa ponte. Enquanto isso, vai dar tempo para que o setor estude um acordo que melhore a vida do consumidor sem que esse fique privado de realizar suas compras com liberdade.