O Senado parte para o ataque
Na agenda do presidente do Senado, Rodrigo Pacheco, virou prioridade debater o porte de drogas, a proibição do aborto e o marco temporal das terras indígenas
Não é segredo para ninguém que o atual governo tem sofrido bastante para emplacar seus projetos no Congresso Nacional.
A cada votação é necessária a liberação de um caminhão de verbas, disfarçadas em emendas, para convencer deputados e senadores a votar.
Em outros casos, os partidos exigem um número cada vez maior de cargos para fazer parte da base da situação.
Mesmo assim, está difícil garantir um quórum tranquilo para muitos assuntos.
Temas como aborto, aumento de impostos, contribuição sindical, restrições à liberdade de expressão são postos de lado por falta de gente que queira mexer nesse vespeiro.
A situação pode ficar ainda pior, no ano que vem, com a aproximação das eleições municipais.
A dificuldade do presidente para converter medidas provisórias em leis é a maior desde 2001, quando as regras que valem atualmente começaram a vigorar.
Lula só conseguiu transformar em norma legal 28% das medidas provisórias que enviou ao Congresso.
Algumas derrotas foram acachapantes. Para se ter uma comparação, nos primeiros dois mandatos de Lula, a taxa de aproveitamento de MPs era de 100%.
Com a reforma ministerial encerrada semana passada, o governo pretende melhorar o relacionamento com a Câmara dos Deputados.
O resultado dessa manobra política ainda não foi testado na prática, e a fidelidade dos integrantes desses novos aliados só vai ser verificada quando da votação de temas considerados polêmicos.
Se a situação na Câmara parece ter melhorado, uma crise se avizinha no Senado, até então o porto seguro do governo. Dois fatores estão gerando essa instabilidade.
O primeiro é a intromissão cada vez maior do Supremo Tribunal Federal em assuntos do legislativo. O segundo é a possível indicação de Flávio Dino para uma vaga no STF.
A reação do Senado, diante desses dois temas, pode barrar a votação de matérias consideradas fundamentais pelo governo. Até a reforma tributária pode ficar de lado e sequer ser votada este ano.
Na agenda do presidente do Senado, Rodrigo Pacheco, virou prioridade debater o porte de drogas, a proibição do aborto e o marco temporal das terras indígenas. Os assuntos econômicos perderam importância.
Os senadores de oposição estão aproveitando esse momento para se posicionar contra o governo e o STF.
Durante a discussão de um projeto que pode transformar em lei o marco temporal para demarcação de terras indígenas, vários discursos ressaltaram a importância do legislativo e a interferência do STF em assuntos que não são de sua alçada.
O senador Plínio Valério, do PSDB do Amazonas, disse: “Temos que ter tamanho de senador, que não é menor que ministro do Supremo. Temos mecanismos para frear esses desmandos”. O senador Weverton Rocha, do PDT do Maranhão, partido que faz parte da base do governo, foi outro que criticou a postura do STF.
“É aqui que se decide, não é no Supremo. O Supremo só tem que guardar a Constituição. Não é deliberar se fizemos certo ou errado.”
O texto em discussão no Senado proíbe a ampliação de terras indígenas. Pela proposta atual, uma área só pode ser demarcada se as comunidades indígenas estavam no local antes de 1988. É preciso ainda atestar que os ocupantes são, de fato, indígenas com adoção de hábitos e costumes das tribos.
A PEC também permite a instalação de bases, unidades e postos militares nos territórios independentemente de consulta às comunidades, indeniza as benfeitorias “de boa-fé”, isto é, aqueles que ocuparam um território antes da demarcação. Para o relator, senador Marcos Rogério (PL-RO), o STF só poderia se pronunciar sobre o tema quando sancionada a lei.
Enquanto a discussão estiver no Congresso, afirma ele, a Corte não pode intervir. “São instâncias independentes. O Supremo não pode, sem devido processo legal, dizer que o Parlamento não poder legislar sobre isso.
Cada um cumpre o seu papel”, disse o relator. A votação do marco temporal ficou para quarta-feira, 27. Enquanto a decisão não é tomada, o STF definiu a retomada do julgamento.
A reação do Senado era cobrada há muito tempo. Desde o governo passado, Rodrigo Pacheco enfrentava críticas por sua falta de combate. Agora a situação mudou e ele pretende marcar posição firme.
Foi o próprio presidente do Senado que propôs uma PEC que proíba, definitivamente, o porte de drogas qualquer que seja a quantidade.
O braço de ferro entre Congresso e Senado parece só ter começado. Não há como prever o resultado desse enfrentamento.
A única certeza é que até o desfecho final, outros temas ficarão em suspenso, uma preocupação extra para o governo que conta com várias reformas econômicas para manter o orçamento em dia.