A chegada da primavera
Os especialistas acreditam que eventos extremos, como os ocorridos este ano, vão se tornar cada vez mais comuns
A primavera começou há poucas horas, na madrugada deste sábado, 23.
A estação, considerada de transição, costuma apresentar significativas variações de temperatura; os dias, às vezes, se parecem com o inverno, às vezes, com o verão.
É nessa época do ano, também, que as chuvas voltam com mais regularidade, fazendo a alegria dos agricultores que não esperam a hora para semear a próxima safra.
Só que este ano a situação está um pouco diferente. Tivemos um inverno bastante quente. Os termômetros registraram, durante a estação, as temperaturas mais quentes do ano. Num período em que o frio deveria predominar.
Boa parte dessa mudança foi provocada pela presença do fenômeno El Niño. Ele avançou pelo Cone Sul e provocou uma bagunça danada.
Em Buenos Aires, na Argentina, as temperaturas chegaram à marca dos 30°C. No Chile, foram registradas chuvas fortes, e a região sul do Brasil enfrentou a força dos ciclones extratropicais.
O número de mortes no Rio Grande do Sul, provocadas por enchentes e deslizamentos de terra, chegou a 46.
Foram milhares de desabrigados em várias cidades do Estado. Cenas dramáticas foram registradas pelos gaúchos. Uma senhora, de 99 anos, chegou a ficar horas agarrada a uma parreira para se salvar da catástrofe. O esforço foi tanto que, dias depois, ela acabou falecendo.
O rio Taquari transbordou e alcançou até mesmo áreas mais elevadas e afastadas de seu curso. O prejuízo foi grande. Milhares de voluntários enviaram ajuda para as famílias que perderam tudo.
A solidariedade só não veio da Presidência da República. O principal mandatário do país sequer visitou as áreas atingidas para demonstrar preocupação com a situação enfrentada pelos gaúchos.
Os sinais de que o inverno seria atípico começaram em agosto. Ondas de calor atingiram a Argentina, o Uruguai e o Chile. Em localidades como Tartagal, no noroeste da Argentina, os termômetros marcaram mais de 40°C.
Em Vicuña, aos pés da Cordilheira dos Andes, cerca de 450 km ao norte de Santiago, foram registrados 37°C, a temperatura mais alta da região nos últimos 70 anos.
Os especialistas acreditam que eventos extremos, como os ocorridos este ano, vão se tornar cada vez mais comuns.
A alteração seria resultado das mudanças climáticas, que tem agravado, ano a ano, os efeitos de fenômenos meteorológicos como El Niño e La Niña.
Em 2023, o Brasil registrou o mês de julho mais quente desde 1961. A temperatura média foi um grau acima, em relação ao período de 1991 e 2020. Os dados são do Instituto Nacional de Meteorologia do Brasil (Inmet).
As regiões que mais sofreram o aumento da temperatura foram o sul da Amazônia, o Centro-Oeste e a região Sul.
A seca nos rios amazônicos já preocupa as autoridades do Estado. Muitas rotas de transporte de carga e de passageiros podem ser suspensas. O nível dos rios está cada vez mais baixo, impossibilitando o tráfego de embarcações.
No Centro-Oeste, região que mais produz grãos no Brasil, a preocupação é com a falta de chuva. Os produtores chegaram a pedir ao Ministério da Agricultura mudanças no calendário agrícola, antevendo os problemas que podem ocorrer por conta da estiagem fora de época. O calor acima da média pode atrasar o plantio e afetar, no ano que vem, o plantio da safrinha.
Segundo pesquisas da Universidade de Brasília, a quantidade de chuva que cai na região ainda não foi afetada pela influência de fenômenos externos. O problema detectado é que, em algumas áreas, a chuva está mal distribuída.
Grandes quantidades caem num único dia e depois inicia-se um período prolongado de seca. Isso atrapalha o ciclo das plantas e pode afetar, inclusive, a produtividade das lavouras.
A preocupação dos agricultores do Centro-Oeste é que eles passem a enfrentar situações semelhantes às registradas no sul do continente.
A Argentina, segundo o governo local, deve enfrentar, este ano, perdas na casa dos US$ 20 bilhões (R$ 96,9 bilhões) por causa da quebra da safra.
Isso representa quase 3% do PIB argentino e é um baque extra para um país que já enfrenta uma severa crise econômica.
O inverno ficou para trás, estamos agora na primavera e a esperança é que a natureza se renove. Nos próximos três meses, esperamos contar com a volta da chuva e a transformação das paisagens. Se isso não ocorrer, da maneira devida, já devemos nos preparar para um verão com problemas pela frente.