Mas que "raios" de SAF?

É importante entender onde o São Bento quer chegar com a SAF

Por Cruzeiro do Sul

A adoção da Sociedade Anônima do Futebol (SAF) é uma das maiores revoluções do futebol brasileiro nos últimos anos e vários clubes da primeira divisão do Campeonato Brasileiro já adotaram esse modelo de negócio, como Bahia, Botafogo, Vasco e Cruzeiro. O São Bento começou a trilhar esse caminho com a reforma do seu estatuto, aprovada pelos sócios em assembleia em setembro do ano passado, o qual passou a vigorar a partir de 8 de outubro de 2023 com uma cláusula que autoriza o Esporte Clube São Bento, associação civil sem fins lucrativos, a se associar e formar outras pessoas jurídicas, respondendo como cotista, ou possuir ações (desde que com participação mínima de 10%).

O fato novo, agora, é o recebimento de uma carta de intenções de compra das ações de uma possível SAF beneditina recebida no final de 2023, enviada pelo AFS Futebol -- SAD, de Portugal, gestor do AFS Vila das Aves, time da segunda divisão do futebol português, e que passa a ser avaliada agora pelo Conselho Deliberativo. Emissários do clube já estiveram reunidos com integrantes do Conselho para detalhar a proposta e inclusive assistiram ao jogo contra o Juventus, na estreia do Paulista Série A2. Há, ainda, outros dois grupos interessados.

A SAF é um tipo de empresa criado a partir da separação da atividade do futebol da associação civil sem fins lucrativos, que passa a integrar uma sociedade empresarial específica. A Lei da SAF, como ficou conhecida, incentiva a mudança para este formato ao mesmo tempo em que institui normas de governança, controle e meios de financiamento específicos para a atividade do futebol. Em resumo, a partir da venda de cotas ou ações e de seu percentual em relação a sociedade, o futebol das agremiações esportivas passa a ter um “dono”. É esse ponto que merece observação.

O Bahia, do grupo City, que também comanda o atual campeão do Mundial de Clubes, o Manchester City, passou aperto no Brasileirão 2023 e se salvou do rebaixamento só na última rodada. No Botafogo, quem dá as cartas é o americano John Textor, que está na mira da torcida pela perda do título nacional e também pela rotatividade de jogadores com outros clubes da Eagle Holding, a qual comanda. No Vasco, a 777 Partners esteve perto de incidir em penalidade de inadimplência por falta de pagamento das parcelas. E o Cruzeiro vive a possibilidade de ver Ronaldo Nazário vender os 70% que possui da SAF para outro investidor, alegando prejuízo e empenhando nela seu patrimônio pessoal.

Não se trata de demonizar a SAF, mas medir seus riscos e escolher bem seus parceiros. Alguns clubes, como o Novorizontino, que já foram concebidos como empresa, fizeram a venda de 100% de sua SAF para os empresários que já o vinham tocando. No caso do São Bento, a adoção e venda de cotas de uma SAF obrigatoriamente implica em abrir as portas para um investidor externo. Nesse aspecto, é indispensável entender quais os anseios do clube na adoção do modelo, e se haverá convergência com os anseios do investidor.

Falando no investidor, a AFS Futebol - SAD recentemente partiu da Vila Franca de Xira, nos arredores de Lisboa, deixando “órfãos” os torcedores da Vilafranquense, que terá de reiniciar sua vida na terceira divisão do Campeonato Português a partir da decisão da SAD (figura jurídica equivalente à SAF em Portugal) de partir para a Vila das Aves, a 270 quilômetros dali, levando consigo os atletas e a vaga na Liga 2, a segunda divisão nacional.

A comissão criada pelo São Bento para conduzir a mudança do estatuto instituiu pontos inegociáveis em uma eventual constituição de SAF e venda de cotas, como a permanência do time em Sorocaba, manutenção do escudo, impossibilidade de venda do CT Humberto Reale e evolução do patrimônio. Ao mesmo tempo, as dificuldades vividas pelo Azulão nos últimos anos, com a perda do calendário nacional e sucessivos rebaixamentos e acessos no Paulistão evidenciam dificuldade do clube nos campeonatos enquanto gerido da atual forma. Nessa discussão, é importante entender onde o São Bento quer chegar com a SAF. Revelar jogadores? Se manter na Série A1 do Paulista e voltar à Série B do Brasileiro? Ser campeão de tudo? E a que preço? Todas essas respostas precisam ser alinhadas com os objetivos dos potenciais investidores sem deixar de considerar os desejos da torcida e de toda uma cidade.