Reconheceu. E, agora, o que muda na prática?
Nesta terça-feira (23), durante encontro com jornalistas estrangeiros, em Lisboa, o presidente de Portugal, Marcelo Rebelo de Sousa, reconheceu que seu país “assume total responsabilidade” pelos crimes cometidos durante a escravidão no período colonial e que esses crimes, incluindo massacres coloniais, tiveram “custos” que devem ser pagos.
Ao jornal britânico The Guardian, Marcelo Rebelo de Sousa disse: “Temos que pagar os custos. Existem ações que não foram punidas e os responsáveis não foram presos? Existem bens que foram saqueados e não foram devolvidos? Vamos ver como podemos consertar isso.”
O encontro entre o presidente de Portugal com os jornalistas estrangeiros é tradicional neste período do ano e acontece em comemoração à Revolução dos Cravos — que exatamente hoje (25) completa 50 anos. Também conhecida como Revolução de Abril ou apenas por 25 de Abril, o fato histórico português refere-se a um evento resultante do movimento político e social ocorrido a 25 de abril de 1974, em Portugal, que depôs o regime ditatorial do Estado Novo, vigente desde 1933, e que marcou o início de um processo que viria a terminar com a implantação de um regime democrático e com a entrada em vigor da nova Constituição portuguesa, em 25 de abril de 1976.
No ano passado, nesta mesma época, Marcelo Rebelo de Sousa disse que Portugal deveria pedir desculpas e assumir um papel de maior responsabilidade pelo comércio de escravos, mas não chegou a realizar qualquer pedido de desculpa formal. Pelo contrário, afirmou que a colonização do Brasil teve impactos positivos, citando como exemplo a difusão da língua portuguesa.
Neste ano, Marcelo Rebelo de Sousa surpreendeu com o reconhecimento feito. Sua fala deixou em segundo plano os efeitos do meio século da Revolução dos Cravos. São raros os casos em que autoridades portuguesas comentam diretamente sobre o passado colonial do país, que foi o maior traficante no comércio transatlântico de pessoas escravizadas. Durante mais de 400 anos, pelo menos 12,4 milhões de africanos foram sequestrados, transportados à força por longas distâncias — em condições sub-humanas — a bordo de navios negreiros de propriedade de comerciantes europeus para ser vendidos como escravos.
Somente para o Brasil, segundo o Banco de Dados do Comércio Transatlântico de Escravos, vieram cerca de 4,86 milhões de escravos entre os séculos 15 e 19. No total, Portugal traficou quase 6 milhões de africanos, mais do que qualquer outra nação europeia, mas até agora não havia conseguido confrontar seu passado e tão pouco admitia seu papel na escravidão transatlântica.
Há exatamente um ano, durante a comemoração anual da Revolução dos Cravos, Rebelo de Sousa também afirmou que Portugal deveria pedir desculpas e assumir um papel de maior responsabilidade pelo comércio de escravos, mas não chegou a realizar qualquer pedido de desculpa formal. Na época, o presidente do país também afirmou que a colonização do Brasil teve impactos positivos como a difusão da língua portuguesa.
Um relatório do Conselho da Europa de março de 2021, a principal instituição de direitos humanos do continente europeu, concluiu que Lisboa precisa de mais ações afirmativas para confrontar o seu passado colonial e o seu papel no tráfico de escravos, com o objetivo de combater o racismo e a discriminação.
Em novembro de 2023, o Banco do Brasil também pediu perdão pelas gestões anteriores da instituição ter participado do processo de escravidão de pessoas negras, durante o século XIX, no País. Fundado em 1808, a instituição bancária do governo admitiu que precisava encarar a realidade histórica, que indica que a instituição se valeu de recursos como a arrecadação de impostos sobre embarcações dedicadas ao tráfico de pessoas escravizadas e destacaram que o capital para a formação do banco provinha da economia da época, que tinha na escravidão e no comércio negreiro um papel central.