Morde e assopra e a Lei das Estatais

Por Cruzeiro do Sul

A Lei de Responsabilidade das Estatais (Lei nº 13.303/2016, conhecida com a Lei das Estatais) foi sancionada na noite do dia 30 de junho de 2016 pelo então presidente da República interino Michel Temer com o objetivo de nortear o estatuto jurídico das empresas públicas, das sociedades de economia mista e de suas subsidiárias, no âmbito da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios.

A Lei das Estatais estabelece critérios claros — que deveriam ser inegociáveis — para a atuação das empresas públicas ou sociedade de economia mista, consagrando a transparência de suas ações. Bem como a disponibilização dos dados, trazendo maior segurança jurídica para o licitante e para a próprias empresas. Também determina regras para o preenchimento dos cargos de diretoria, que deverão ser ocupados, necessariamente, por profissionais que possuam experiência compatível com a área de atuação da estatal e inibe as escolhas determinadas exclusivamente pelos critérios políticos.

Pois bem. A clareza da lei desagradou, é claro, governantes que tinham nos inúmeros cargos — com polpudos salários — a oportunidade de abrigar aliados políticos — e indicados — para o preenchimento dessas vagas. É um tipo de prêmio — belíssimo, por sinal — de consolação para quem não conseguiu um ministério ou outro vaga no primeiro escalão. As estatais detêm interessantes cargos, com salários de fazer brilhar os olhos e alimentar interesses.

Por um tempo, a Lei das Estatais foi contestada e até mesmo ignorada pelos governos até que, na quinta-feira (9), o Plenário do Supremo Tribunal Federal (STF) decidiu, por maioria de votos, que são válidas as restrições a indicações políticas para a diretoria e conselhos de administração das empresas públicas, das sociedades de economia mista e de suas subsidiárias, no âmbito da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios. A decisão foi tomada no julgamento da Ação Direta de Inconstitucionalidade (ADI 7331), de autoria do Partido Comunista do Brasil (PCdoB), que contestava dois incisos da lei, por considerar que ferem o direito à igualdade e que a lei limitaria a liberdade dos partidos políticos e filiados.

No entendimento dos ministros do STF de quinta-feira, os vetos fixados pela Lei das Estatais não ferem a Constituição e nem violam direitos fundamentais. Para a corrente majoritária, as restrições criam filtros para garantir a moralidade da administração pública e evitar conflitos de interesses.

Portanto, louvável a decisão do Supremo. Só que no mesmo dia, os ministros concluíram, por unanimidade que os indicados ao cargos, vetados pela Lei das Estatais que fora validada no Plenário, podem permanecer em suas atuais funções, pois estão amparados em decisão liminar, portanto provisória, concedida por Ricardo Lewandowski, quando ainda ocupava cadeira no STF, em março de 2023. A decisão de manutenção das regras da lei das Estatais pelo Plenário do STF não atinge, portanto, os que já ocupam os cargos.

Lewandowski, agora ministro da Justiça e Segurança Pública do governo Lula, concedeu a decisão liminar por considerar que o pedido era urgente diante da proximidade do prazo para as eleições de administradores e conselheiros de estatais. Ao manter os efeitos da liminar, os ministros argumentaram que a decisão é válida para evitar instabilidades e inseguranças para a administração pública. Uma bela desculpa para permitir que a prática de colocar nas empresas públicas, das sociedades de economia mista e de suas subsidiárias, no âmbito da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos municípios os apadrinhados políticos. É uma das formas que o governante tem para agradar aliados já consolidados e até mesmo conquistar novos. Outro jeito de agradar “quem tá junto” é a manutenção da prática legislativa para garantir a destinação de verbas do orçamento público a projetos definidos por parlamentares sem a devida identificação.