O Drama das pessoas deslocadas à força
A Declaração Universal dos Direitos Humanos, adotada e proclamada pela Assembleia Geral da Organização das Nações Unidas (ONU), por meio da resolução 217 A III, em 10 de dezembro 1948, tem dois artigos que chamam a atenção, principalmente, nos dias atuais. O artigo 13 diz “todo ser humano tem direito à liberdade de locomoção e residência dentro das fronteiras de cada Estado e tem o direito de deixar qualquer país, inclusive o próprio e a este regressar. O artigo 15 afirma “todo ser humano tem direito a uma nacionalidade e ninguém será arbitrariamente privado de sua nacionalidade”.
Pois bem, contrariando a tudo isso, mais de 120 milhões de pessoas, em todo o mundo, estão deslocadas à força de suas casas devido a perseguições, efeitos de conflitos armados, situações de violência generalizada, violações de direitos humanos ou catástrofes naturais e de origem humana. Isso representou, segundo a Agência das Nações Unidas para Refugiados (Acnur), um aumento de 8% em relação ao ano anterior. Se todas essas pessoas vivessem atualmente em um mesmo território, elas formariam o 12º país mais populoso do mundo.
Esse número é mais do que o dobro do que havia há dez anos: em 2014, a Acnur apontava 59 milhões de pessoas vivendo nessa condição.
Importante enfatizar que esses números tratam das pessoas deslocadas, aquelas que tenham sido forçadas a fugir de suas casas ou locais de residência habitual e que abrange tanto o deslocamento interno, de uma região para outra, como os internacionais.
Há, ainda, os casos que envolvem o migrante, termo que não tem uma definição universalmente aceita, mas o mais utilizado para explicar a situação de qualquer indivíduo que tenha deixado o local onde vive, de forma voluntária ou involuntária, independentemente do status jurídico, duração da estadia ou causa do deslocamento, a fim de melhorar as condições materiais e sociais suas e dos familiares.
Também há a questão do refugiado, termo definido pela Convenção de Genebra, adotada em 1951, e que se aplica a qualquer pessoa que “temendo ser perseguida por motivos de raça, religião, nacionalidade, grupo social ou opiniões políticas, encontra-se fora do país de sua nacionalidade e não pode ou, devido ao medo e à insegurança, não quer voltar a ele”.
Atualmente, o Brasil abriga mais de 120 mil refugiados, que têm encontrado no País um lugar de acolhimento. Isso decorre da Lei de Refúgio brasileira (Lei nº 9.474/1997) ser considerada uma das mais avançadas no mundo. Quando essas pessoas chegam ao Brasil e têm sua condição de refugiadas reconhecida pelo governo brasileiro, elas não podem ser expulsas nem extraditadas para o país onde dizem sofrer a perseguição.
Segundo a Acnur, um fator que tem ajudado a aumentar o número de deslocados no mundo envolve eventos climáticos extremos. Miguel Pachioni, oficial de comunicação da Agência das Nações Unidas para Refugiados diz que “a questão climática também vem se impondo e fazendo com que pessoas tenham de deixar os seus locais de origem em razão tanto do contexto das mudanças climáticas como também do contexto de desastres naturais, que são concomitantes”, enfatiza. “Até dezembro de 2023, quase 75% das pessoas deslocadas à força viviam em países de alta ou extrema exposição a riscos relacionados ao clima. Elas já estavam em um processo muito fragilizado. E cerca de metade dessas pessoas deslocadas à força vivia em países onde permanecia exposta a conflitos e a esses mesmos riscos relacionados ao clima”, completa o representante da Acnur. Um caso recente envolve os gaúchos atingidos pela pior catástrofe climática ocorrida no Brasil nos últimos tempos. Muitas pessoas perderam, inclusive, parte documental importante de sua história como fotografias e documentos que jamais poderão ser recuperados, além de suas casas. Boa parte dessa gente é idosa e sempre morou na mesma residência.
Outro exemplo que ilustra a situação envolve pessoas que “moram” no aeroporto de Guarulhos, na Grande São Paulo. Pelo menos mais 57 imigrantes chegaram ao Brasil nesta semana e se juntaram a centenas de outros que aguardavam para apresentar pedido de refúgio no Brasil. O assunto exige reflexão e bom senso humanitário.