A energia elétrica, o gás e a comida
Há dez dias, a Petrobras anunciou o aumento do preço do GLP, o gás de cozinha, produto indispensável em milhares de cozinhas Brasil afora para que o almoço da família possa ser feito, mesmo existindo, ainda, quem precise usar lenha para preparar algo para comer. Dias antes, no final de junho, a Agência Nacional de Energia Elétrica (Aneel) informou que a conta de luz teria um acréscimo de R$ 1,88 a cada 100 kWh consumidos no mês de julho no Brasil. A cobrança adicional vai ocorrer por causa do acionamento da bandeira tarifária amarela. Segundo a agência, a previsão de chuva abaixo da média e a expectativa de aumento do consumo de energia justificam a tarifa extra. A luz elétrica não é um serviço de luxo, apesar de seu custo mensal e é, sim, uma necessidade das famílias, embora muita gente ainda use a luz de vela ou do lampião para iluminar suas humildes casas.
O problema é que uma pesquisa encomendada pelo Instituto Pólis e apresentada na quinta-feira passada revelou que 36% das famílias brasileiras gastam mais da metade do orçamento mensal com energia elétrica e gás de cozinha. Nas regiões norte e nordeste do País, esses gastos superam até as despesas com comida, comprometendo a segurança alimentar das famílias.
Os dados do levantamento Justiça Energética foram produzidos pelo Ipec — Inteligência em Pesquisa e Consultoria. O objetivo da pesquisa foi entender a opinião da população brasileira sobre o peso da energia elétrica e do gás de cozinha no orçamento familiar. A energia elétrica apareceu junto à alimentação como o principal fator de despesa na renda familiar de diversas classes sociais, evidentemente com peso maior nas famílias de baixa renda.
O grande dado da pesquisa é que a energia elétrica tem deixado a população brasileira mais pobre. Pagar a conta de luz tem sido um desafio para os mais pobres. 60% das famílias das classes D e E, com renda domiciliar de até um salário mínimo, declararam que a conta de luz está atrasada. A solução adotada por 30% dos entrevistados tem sido reduzir ou deixar de comprar alimentos básicos e bens de consumo.
A pesquisa perguntou às famílias o que fariam se pudessem reduzir os gastos com a conta de luz, mais de 50% dos entrevistados revelaram que comprariam alimentos. Sobre o resultado da pesquisa, Leonardo Araujo, da Frente Nacional dos Consumidores de Energia, afirmou que, atualmente, o consumidor paga duas vezes pela energia elétrica. “Ele paga a conta de luz que chega na casa dele, muitas vezes deixando de adquirir um alimento, e paga uma outra vez embutida no preço de produtos e serviços”, destacou.
Um estudo da Associação Brasileira de Grandes Consumidores Industriais de Energia e de Consumidores Livres (Abrace) mostra que, além da energia recebida em casa, as famílias utilizam energia elétrica e o gás incorporados na produção das mercadorias e serviços que compõem a sua cesta de consumo. É a energia que está embutida nos bens e serviços consumidos. Fazem parte dessa energia, por exemplo, a eletricidade empregada nos frigoríficos para manter a carne fresca e nas panificadoras para assar o pão, a energia elétrica necessária na fabricação de produtos de higiene e limpeza ou a eletricidade e o gás contidos nos materiais de construção empregados numa reforma, mostra estudo da Abrace.
Já no café da manhã, o pãozinho de cada dia é um dos itens que mais sentem o peso do aumento das contas de energia — assim que sai do forno, 31% do preço final do pão são a energia e o gás usados em todo o processo de produção. O peso é ainda maior entre as carnes e o leite 33,3% do preço da gôndola são energia. O reflexo direto do custo da energia sobre os preços reflete, ainda, na cesta básica em outros exemplos de produtos e serviços, como é o caso do material escolar e do vestuário. Enfim, os preços tarifários pesam no custo de vida dos brasileiros e aparecem fortemente nos índices da inflação.