O tamanho do déficit e os R$ 15 bilhões congelados

Por Cruzeiro do Sul

O martelo foi batido e o governo federal congelou R$ 15 bilhões, dinheiro que estava destinado à manutenção de serviços públicos que têm como público-alvo o cidadão pagador de impostos. Essa decisão veio logo após o anúncio de que as contas do governo registraram déficit de R$ 38,8 bilhões em junho, segundo dados oficiais divulgados pelo Tesouro Nacional na sexta-feira passada. O resultado de junho de 2024 é o quarto pior para o mês desde o início da série histórica do Tesouro, que começa em 1997. É também o pior primeiro semestre desde junho de 2020.

Alguma coisa não vai bem, afinal a receita não para de chegar aos cofres federais. A arrecadação total das receitas federais alcançou R$ 208,844 bilhões em junho, alta real (já descontada a inflação, medida pelo Índice Nacional de Preços ao Consumidor Amplo-IPCA) de 11,02% sobre o resultado de igual período do ano passado (R$ 180,475 bilhões). Em termos nominais, o crescimento foi de 15,72%. Portanto, dinheiro tem. O problema é saber gastar.

O decreto do presidente Lula com o detalhamento do congelamento de R$ 15 bilhões foi publicado em edição extra do Diário Oficial e mostra que o Ministério da Saúde foi o mais afetado, com R$ 4,4 bilhões contingenciados; seguido do Ministério das Cidades, com R$ 2,1 bilhões; Transportes, com um R$ 1,5 bilhão; e Educação, com R$ 1,2 bilhão.

O Programa de Aceleração do Crescimento (PAC) também foi bastante afetado. R$ 4,5 bilhões entre bloqueados e contingenciados. Houve corte também de um R$ 1 bilhão em emendas de comissão, R$ 153 milhões de emendas de bancadas, e R$ 9,2 bilhões em despesas discricionárias.

O bloqueio está relacionado à despesa e ocorre quando os gastos aumentam mais que 70% do crescimento da receita acima da inflação. Todo esse corte é para tentar manter a meta de déficit zero este ano, como prevê o arcabouço fiscal.

O problema é que outros gastos não devem ser cortados. O próprio presidente Lula afirmou, em 26 de junho, que, naquele momento, o governo federal estava analisando onde há gastos exagerados ou se realmente há necessidade de realizar cortes. Pelo visto, enxergou que há gastos exagerados. Publicação do site Poder360 de 18 de março deste ano, por exemplo, mostra que o Ministério das Relações Exteriores desembolsou ao menos R$ 65,9 milhões durante as viagens presidenciais de Lula ao exterior em 2023. Os dados foram obtidos pelo site a partir de pedidos de Lei de Acesso e de consultas no Portal da Transparência. O presidente passou 62 dias fora do Brasil ao longo de 2023. É como se o Itamaraty tivesse disponibilizado aproximadamente R$ 1 milhão por dia viajado. Os valores não se referem somente aos gastos do presidente, mas sim de todas as suas comitivas. Não incluem os voos bancados pela FAB (Força Aérea Brasileira), que mantém as despesas sob sigilo. De todas as 15 investidas internacionais realizadas em 2023, a mais cara foi a que levou o governo aos Estados Unidos e a Cuba em setembro. Custou R$ 16 milhões. A 2ª mais cara custou

R$ 9,1 milhões em um giro internacional a quatro países: Arábia Saudita, Qatar, Emirados Árabes e Alemanha. O top 3 de viagens mais custosas termina com a ida à China e aos Emirados Árabes em abril, que somou R$ 7,8 milhões. Isso tudo é somente os custos das viagens de 2023 aos cofres brasileiros, fora as despesas com os famosos cartões corporativos que são mantidas em sigilo. Tem as viagens de 2024 que ainda não foram contabilizadas. Isso é só uma amostra de como não gastar o dinheiro público. Na verdade, são esses tipos de gastos que precisam ser congelados e não cortar os recursos para a Saúde e Educação, como anunciado agora.

Ainda há uma informação de deixar os cabelos em pé (para quem ainda os têm): “Com juros da dívida, rombo bate recorde e atinge R$ 1,1 trilhão sob Lula”, diz uma das manchetes. O resultado nominal — que considera o pagamento de juros da dívida — do setor público consolidado foi deficitário em R$ 1,108 trilhão no acumulado de 12 meses até junho. O valor equivale a 9,92% do PIB e é recorde na série histórica, iniciada em 2002. É maior que o saldo negativo de R$ 1,062 trilhão (9,56% do PIB) registrado nos 12 meses encerrados em maio de 2024. As informações são do Banco Central e foram divulgadas no dia 29 de julho. Como diria Caetano: “Alguma coisa está fora da ordem”.