Ainda sobre a saidinha
O Senado vai analisar um projeto de lei que veda a concessão de saída temporária a reincidentes e condenados por crime hediondo. A vedação prevista no PL 205/2024 passaria a alcançar os condenados pelos seguintes crimes, entre outros, ainda que na modalidade tentada: homicídio praticado por grupo de extermínio; homicídio qualificado; feminicídio; roubo circunstanciado pela restrição de liberdade da vítima; roubo circunstanciado pelo emprego de arma de fogo; roubo qualificado pelo resultado lesão corporal grave ou morte; extorsão qualificada pela restrição da liberdade da vítima, ocorrência de lesão corporal ou morte; extorsão mediante sequestro; estupro; e estupro de vulnerável. O texto altera o parágrafo 2º do artigo 122 da Lei de Execução Penal (Lei 7.210, de 1984).
Esse assunto tem gerado ampla discussão no Parlamento. É nítido o apoio da sociedade, de uma forma geral, e de autoridades policiais, do judiciário, de deputados e senadores. Mas também é sabido que não há uma unanimidade. Há, sim, quem seja contra o fim do benefício.
Somente no Estado de São Paulo, após a saída temporária para o Natal de 2023, 1.566 presos não retornaram ao estabelecimento prisional para a continuidade do cumprimento da pena. Na saída temporária anterior, ocorrida entre 12 e 18 de setembro de 2023, 1.397 detentos não retornaram aos presídios. No Rio de Janeiro, a evasão foi de 253 presos, entre os quais dois chefes do tráfico de drogas, que retomaram as suas funções no crime.
É verdade que a maioria dos presos beneficiados retornam aos respectivos estabelecimentos penais e que a saída temporária é um instrumento que pode ajudar na reinserção na sociedade. O problema é causado pelos presos em saidinha que não voltam à cadeia, pois preferem se reencontrar com o crime. Por isso, os senadores agora pensam em restringir esse direito para vedar a sua concessão a criminosos de alta periculosidade.
Neste ano, em 2 de julho, a Comissão de Segurança Pública do Senado aprovou um projeto de lei que torna mais duras as penas para os crimes cometidos durante saída temporária, liberdade condicional, prisão domiciliar ou em meio a fugas da prisão. A proposta ainda tramita na casa legislativa. Ela altera o artigo 61 do Código Penal, incluindo essas situações na lista das circunstâncias agravantes dos crimes. Isso significa que, ao calcular a pena a ser aplicada a um condenado, o juiz deverá impor uma punição maior se o crime tiver sido cometido durante o cumprimento de um benefício como saída temporária ou liberdade condicional, ou enquanto o criminoso estava fugindo do estabelecimento prisional.
Quatro meses antes, em 20 de fevereiro, o mesmo Senado aprovou o projeto de lei que acaba com as saídas temporárias de presos em feriados e datas comemorativas, mas mantém a autorização para que detentos em regime semiaberto possam estudar fora da prisão. Como os senadores fizeram mudanças, a proposta precisou voltar à Câmara dos Deputados. O texto substitutivo original havia sido aprovado no final de 2022. E aquele elaborado pelo deputado Capitão Derrite (PL-SP — atual secretário estadual da Segurança Pública de São Paulo). Derrite pretendia abolir completamente esse benefício.
Mesmo mantido para o detento em regime semiaberto cursar supletivo profissionalizante, ensino médio ou superior, pelo tempo necessário para as aulas, o texto (transformado na Lei 14.843, de 2024) foi vetado pelo Executivo — diga-se governo Lula. O veto foi derrubado pelos parlamentares.
Em 17 de fevereiro, em artigo publicado pelo jornal O Estado de S. Paulo, Guilherme Derrite fez um importante desabafo sobre a saidinha: “Ocorre que no Brasil os olhares se voltam para o criminoso, encobrindo por absoluto a dor da vítima. Assim surgiu a concepção de que se tornar um criminoso é obra da natureza, normalizando a convivência na sociedade de infratores que não completaram suas penas impostas pela Justiça, pois foram favorecidos pelos múltiplos benefícios das leis brasileiras. Esse movimento está, há tempos, deslegitimando e esvaziando a pena de prisão, o único — e principal — recurso civilizatório de defesa da sociedade e de prestação de justiça às vítimas. Ocorre que a desconstrução deste instituto é um ataque orquestrado contra a sociedade”, escreveu Derrite. Quem sabe um dia o bem, enfim, vença o mal, já que, pelo jeito, o assunto “saidinha” ainda não está plenamente resolvido.