Quem quer R$ 42,3 bilhões?
A Instituição Fiscal Independente (IFI) do Senado Federal, criada no final de 2016 com o objetivo de ampliar a transparência nas contas públicas, estima que o governo Lula precisará de um esforço adicional de R$ 42,3 bilhões no último bimestre do ano para zerar o déficit primário em 2024. Caso o governo busque o limite da margem de tolerância prevista no novo arcabouço fiscal, o valor exigido cairia para R$ 13,6 bilhões. A avaliação consta do Relatório de Acompanhamento Fiscal (RAF) de novembro, que foi divulgado na quinta-feira (21).
Medidas que podem ajudar o governo a atingir as metas fiscais incluem a execução reduzida de emendas parlamentares ao Orçamento, o “empoçamento” de recursos orçamentários, um repasse maior de dividendos e resultados das estatais, além de bloqueios e contingenciamentos de gastos. Mas, o que precisa ficar bem claro para todo o País é como o rombo chegou à tamanha cifra.
Quando o orçamento do cidadão comum estoura e ele se depara com a falta de dinheiro para quitar suas obrigações — os famosos boletos — e, ainda, se alimentar, se vestir, e torcer para não surgir despesas extras, como eventuais gastos com a saúde, por exemplo, ele não tem o que fazer, a não ser procurar um bico para conseguir complementar a sua renda, ou buscar um empréstimo bancário ou com algum parente que esteja disposto a assumir possíveis riscos. Se ele preferir emprestar dinheiro, saberá que terá de pagar juros e correção monetária.
E o governo como faz? Para chegar aos R$ 13,6 bilhões, pode buscar uma maior efetividade de algumas medidas previstas na Lei Orçamentária Anual, com alguma surpresa positiva na arrecadação em razão da dinâmica da atividade econômica, com as outras medidas de compensação da desoneração da folha de pagamento, ou mesmo com a falta de execução do restante das emendas parlamentares autorizadas para 2024.
Ou seja, quase nenhum esforço próprio para fazer a máquina pública funcionar adequadamente. Vai cortar gastos, muitas vezes sem critérios, o que pode comprometer investimentos na qualidade de vida do brasileiro pagador de impostos.
Na quinta-feira (21) o Congresso Nacional concluiu a votação do projeto de lei complementar que regulamenta as regras de transparência, execução e impedimentos para as emendas parlamentares ao Orçamento (PLP 175/2024). A matéria seguiu para sanção presidencial e é uma tentativa de resolver o impasse sobre o pagamento das emendas individuais impositivas, das quais fazem parte as classificadas como de transferência especial, também conhecidas como “emendas pix”.
Os parlamentares têm especial interesse na questão, pois dependem de dinheiro público para ganhar moral em suas respectivas bases eleitorais e, depois, cobrar votos em épocas eleitorais.
A liberação das emendas parlamentares está suspensa por determinação do ministro Flávio Dino, do Supremo Tribunal Federal (STF). Ele condiciona o pagamento das emendas à definição de regras sobre rastreabilidade, transparência, controle social e impedimento.
Em 2024, segundo o relatório da Instituição Fiscal Independente, R$ 28,4 bilhões em emendas foram pagos até outubro, de um montante de R$ 45,3 bilhões referente ao limite de pagamento de emendas para o ano, somando as individuais, de bancada e de comissão. O montante desembolsado inclui os restos a pagar de exercícios anteriores quitados em 2024.
“Assim, faltariam R$ 16,9 bilhões passíveis de serem executados em emendas, mas que, até o momento, não podem em razão da decisão do STF. Considerando que faltam dois meses para o encerramento do exercício, o cumprimento da meta de resultado primário deste ano pode ficar mais fácil”, avalia o relatório da IFI. E isso é um desejo enorme do governo.
O chamado “empoçamento de recursos” é a diferença entre os limites de pagamento autorizados e os valores realmente pagos em um determinado período. Até o fim do quinto bimestre, o limite de pagamento de despesas discricionárias (não obrigatórias) foi de R$ 162,7 bilhões. Os dados indicam que foram pagos, até o momento, R$ 140,8 bilhões nessas despesas. Assim, a IFI estima a soma de R$ 21,9 bilhões “empoçados”.
“Caso o empoçamento se mantenha, nos dois últimos meses do ano, no nível observado até o 5º bimestre, aumenta a possibilidade de cumprimento da meta de resultado primário, embora isso possa prejudicar o alcance da meta fiscal no exercício de 2025”, alerta o relatório.
Além desses fatores pelo lado da despesa, é possível que medidas pelo lado da arrecadação sejam utilizadas para o alcance da meta fiscal do ano. É sabido que o governo tem uma sede arrecadatória muito profunda. Já o cenário para os próximos anos pode ser mais complicado, segundo a IFI, que destaca decisões adotadas durante a transição e no primeiro ano do governo Lula que tornaram “ainda mais complexa” a tarefa de equilibrar as contas públicas, já que essas medidas representarão um aumento de gastos entre R$ 2,3 trilhões e R$ 3 trilhões nos próximos dez anos.
Enquanto isso, o mercado financeiro espera ansiosamente pelas decisões que virão para poder recalcular o cenário que terá de enfrentar num futuro não tão distante assim. Na verdade, já sabe que haverá turbulências pois para tudo há consequências seja para o bem ou, infelizmente, para o mal.