‘Que política econômica é essa?

Por Cruzeiro do Sul

Parodiando aquela adolescente indignada com a organização de um determinado show, no auge de seu sucesso entre 1986 e 1992, o mercado financeiro brasileiro gritou exasperado — nos últimos dias da semana passada: “que política econômica é essa?” enquanto o dólar explodia e a bolsa recuava. Representantes do governo abrem a boca para falar de economia e o mercado reage, negativamente. Esse tem sido o resultado nos últimos tempos, infelizmente.

Mas, na sexta-feira (29) foi incrível. O dólar chegou a bater R$ 6,10 no início daquele dia. Porém, desde quarta-feira (27), a moeda norte-americana vinha acumulando recordes de alta, enquanto o real recuava meio que envergonhado.

Alguns economistas foram celeres na busca de uma explicação e disseram que “a incerteza do cenário internacional marcado, entre outros fatores, pelo futuro governo de Donald Trump, nos Estados Unidos, que promete taxar concorrentes comerciais” foi uma das causas. Como assim? Trump tomará posse no dia 20 de janeiro de 2025 e dólar esmaga o real agora, em 29 de novembro de 2024. Agora a culpa é de Trump?

Há, timidamente, outros especialistas, que apontaram outro fator predominante para a explosão do dólar no Brasil. “Os anúncios de corte de gastos e de reforma tributária sobre o Imposto de Renda (IR) anunciados pelo governo federal na noite de quarta-feira (27) pela boca do ministro da Economia, Fernando Haddad. Essa explicação é plausível. O mercado não gostou!

Os principais agentes do mercado financeiro esperavam um corte maior que os R$ 70 bilhões em dois anos e os R$ 327 bilhões em cinco anos propostos pelo governo Lula, segundo avaliação do diretor-executivo do Brasil no Fundo Monetário Internacional (FMI) e professor de economia licenciado da Universidade de Brasília (UnB), André Roncaglia.

“O mercado esperava um pacote de cortes e o que veio foi um pacote de contenção do crescimento dos gastos. O mercado ficou frustrado porque esperava um caminho mais austero no sentido de efetivamente reduzir a quantidade de dinheiro gasto no agregado pelo governo e o que o governo entregou foi diminuir o quanto vai aumentar o gasto”, explicou André Roncaglia.

O professor André Roncaglia também alerta para o fator externo, em especial, a instabilidade do real no mundo que, segundo o especialista, é a terceira moeda mais usada no mercado de derivativos, que é um tipo de ativo financeiro ligado à especulação. O real fica atrás apenas do dólar e do euro nesse mercado.

“Isso faz do real uma moeda excessivamente volátil. Qualquer espirro que aconteça no plano internacional se traduz aqui com um resfriado, uma gripe ou até algo mais grave como uma pneumonia”, explicou o especialista.

O interessante é que todo governante precisa assumir o comando do País sabendo disso, ou seja, esse movimento econômico mundial não é segredo para ninguém. É assim que o mundo gira quando envolve interesses monetários.

O que não é comum e nem aceitável é o governo trabalhar contra o próprio País. Não se pode sair assim falando sem medir as consequências. O mercado vinha cobrando um corte de gastos verdadeiro e eficiente, mas não foi isso o que aconteceu.

Para o economista Paulo Gala, professor da Fundação Getúlio Vargas (FGV) de São Paulo (SP) e economista-chefe do Banco Master, além do corte ter sido mais tímido do que o mercado financeiro queria, os agentes entraram em “pânico” quando conheceram a proposta de isentar os trabalhadores que ganham até R$ 5 mil.

“O ajuste no arcabouço fiscal demorou quatro semanas e quando veio, veio junto com uma medida que pode onerar os cofres públicos em mais R$ 50 bilhões se nenhuma medida compensatória for feita. Ou seja, se misturou um pacote de isenção de tributação, que não estava no radar, e foi uma surpresa. Agora, fica o medo de que nem venha o corte de gastos e, se vier, ele seja compensado com corte de imposto”, escreveu Paulo Gala em uma rede social.

Para o economista André Roncaglia, essa foi uma reação defensiva dos principais agentes de ativos financeiros do mercado que temem ter que pagar mais impostos.

“A mensagem foi mal recebida por parte do mercado financeiro que, de repente, estava pedindo corte de gastos e viu que vai ter que participar do ajuste por meio de um aumento na tributação sobre os rendimentos do topo da pirâmide. Os investidores acabam jogando contra o real, não porque eles querem jogar contra a moeda, mas porque é uma reação defensiva, já que eles não sabem para onde vai a política tributária”, explicou.

O governo Lula pensa diferente e sustenta que toda isenção de imposto de renda dos que ganham até R$ 5 mil será compensada com o aumento da tributação dos que ganham acima de R$ 50 mil. De acordo com o ministro da Fazenda, Fernando Haddad, a reforma da renda será neutra, ou seja, não terá impacto sobre a arrecadação do governo. Mas, o problema não é a arrecadação e sim como se gasta — ou melhor como se esbanja — o dinheiro público.

Após a alta do dólar desta sexta-feira, o presidente do Senado, Rodrigo Pacheco (PSD-MG), veio a público afirmar que a isenção do imposto de renda dependerá das condições fiscais do País. “Só poderá acontecer se, e somente se, tivermos condições fiscais para isso. Se não tivermos, não vai acontecer”, avisou o senador. Pode ser um sinal político que realmente algo não vai bem na economia. O Parlamento brasileiro raramente entra em bola dividida e não costuma pagar pra ver. Ou seja, pode deixar até mesmo o governo falando sozinho nesse quesito. A verdade é que Lula ainda tem mais dois anos para governar e, certamente, não há nenhum brasileiro feliz com os rumos da economia. Mas também não cremos que alguém esteja torcendo por um desastre econômico, afinal, se isso acontecer afeta a todos: do mais pobre ao mais rico. Há, também, muita expectativa para a próxima e última reunião do Copom em 2024, marcada para os dias 10 e 11 de dezembro, pois já há sinais que a Selic deverá encerrar 2024 em 11,75% ao ano.