Editorial: A maldade mora ao lado
Se hoje ter pássaros em gaiola é considerado uma maldade, imagine com pequenos cães. Crédito da foto: Emídio Marques (15/02/2019)
“O menino que sofre e se indigne diante dos maus-tratos infligidos aos animais será bom e generoso com os homens.”
Benjamin Franklin, autor desta frase, um dos mais completos intelectuais do século 18, um dos autores e signatários da Declaração de Independência dos EUA e, 11 anos depois, da libertária e quase eterna Constituição, era um humanista. Um pensador. Um homem de bem. E extremamente versátil em sua visão sobre o mundo.
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“Podemos julgar o coração de um homem pela forma como ele trata os animais.”
Immanuel Kant, considerado como o principal filósofo da era moderna, é também conhecido pela sua proposta de uma filosofia moral. Dizem que sabia das questões morais.
“Como seriam belas as estátuas equestres se constassem apenas dos cavalos!”
Mário Quintana, brasileiro, é considerado o “poeta das coisas simples”, com um estilo marcado pela ironia, pela profundidade e pela perfeição técnica. Trabalhou como jornalista quase toda a sua vida. Traduziu mais de 130 obras da literatura universal, entre elas “Em busca do tempo perdido” de Marcel Proust, “Mrs Dalloway” de Virginia Woolf, e “Palavras e sangue”, de Giovanni Papini.
Em pleno ano da graça (?) de 2019, ao lado de Sorocaba, em Piedade, um canil totalmente desprovido de Piedade, tinha mais de 1.500 cães mantidos em condições de privação de liberdade, em péssimas condições de higiene, única e exclusivamente voltados para reprodução. Em gaiolas que mal comportavam seu tamanho, muitas vezes dois cães, entre as raças mais procuradas pelas famílias. Gaiola com piso de arames grossos, onde as pequenas patas pisavam e se deformavam com o passar do tempo. Se hoje ter pássaros em gaiola é considerado uma maldade, imagine com pequenos cães, diga-se de novo, entre as raças mais populares que as crianças querem e são bons de conviver em apartamentos.
Maldade descreve pouco. Quem esteve lá e viu, como a reportagem do Cruzeiro do Sul, diz que o quadro não é bonito. E quem lá por perto mora e sentiu diversas vezes o cheiro de pelo e pele do incinerador apenas poderia imaginar quantos cachorros tiveram seu destino encurtado: filhotes fora de padrão, fêmeas que não reproduziam mais, adultos mais velhos, doentes que seriam caros para tratar?
Não existe produção sem mercado. Vizinhos diziam que “carrões” eram vistos com frequência no canil. O que compravam? O que viam? O que não enxergavam? É sempre bom lembrar que é muito melhor adotar do que comprar um animal. E se comprar um ser vivo, é preciso saber a procedência.
Ao mesmo tempo que ocorrem notícias que só são justificadas pela falta de sensibilidade, de empatia, de se colocar no lugar do outro como não fizeram o criador ou criadora desse canil (exatamente como descritos nos clássicos de psicopatias), esse caso poderá levar o Brasil a mais um recorde mundial... aconteceu em Sorocaba uma Audiência Pública que é antes de qualquer definição, um retrocesso.
Retrocesso em termos legislativos e em evolução da cidade. Pretende-se que esportes violentos com cavalos, que machucam muito o animal, possam ser reinstituídos na cidade. Um lobbying de criadores de fora da cidade que querem este mercado, seja através de shows, seja através de “eventos equestres”, incluindo a malfadada vaquejada que maltrata cavalos e novilhos. Mais que um atraso de cidadania, um atraso intelectual.
Há quem lucre com isso, muita gente. E há, em especial setores dentro da Câmara e de conselhos municipais que acham que poderão ter prestígio ao agradar a pequenos grupos.
A eles a grande frase de Diógenes, o Cínico. Diz-se que Diógenes teria vivido num grande barril no lugar de uma casa, e perambulava pelas ruas carregando uma lamparina, durante o dia, alegando estar procurando por um homem honesto. Acreditava que a virtude era melhor revelada na ação e não na teoria; sua vida consistiu duma campanha incansável para desbancar as instituições e valores sociais do que ele via como uma sociedade corrupta. Uma de suas frases explica muito do que se tenta aprovar em Sorocaba nesse triste evento contra o cavalo. Na realidade, contra a nossa humanidade:
“Entre os animais ferozes, o de mais perigosa mordedura é o delator; entre os animais domésticos, o adulador.”