Com o trabalho infantil não se brinca
O trabalho precoce de qualquer natureza -- aquele executado em desacordo com a legislação específica -- precisa ser veementemente repudiado pela sociedade em geral e combatido de maneira efetiva por todas as instâncias governamentais.
Décadas de tentativas frustradas já se encarregaram de comprovar na prática que não é com ações isoladas e intermitentes -- por mais bem intencionadas e planejadas que se apresentem -- que alcançaremos a cura definitiva para esse vexatório cancro social.
Lamentavelmente, Sorocaba não se apresenta como uma exceção no histórico quebra-cabeças que pretende compatibilizar as necessidades das crianças e adolescentes integrantes de famílias de baixa renda com a realidade econômica e cultural.
Na contramão do cenário ideal, reportagens recentes do Cruzeiro do Sul -- como a publicada no domingo (7) -- demonstram que, de fato, o problema vem se agravando com o tempo.
Alheias ao encadeamento de questões que envolvem o tema exploração de menores, algumas pessoas continuam defendendo a equivocada tese de que “trabalhar desde cedo faz bem”.
Não há dúvidas de que ocupações sadias, regradas pelas normas legais vigentes e com duração delimitada para que não haja prejuízos às demais atividades inerentes à idade -- especialmente educação, lazer e convívio com a família --, são preferíveis à ociosidade doentia e -- pior ainda -- ao envolvimento com a marginalidade.
É por conta de tudo isso que o Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA) proíbe, há quase 31 anos, o exercício de qualquer trabalho aos menores de 14 anos, salvo na condição aprendiz.
Segundo a lei, “considera-se aprendizagem a formação técnico-profissional ministrada segundo as diretrizes e bases da legislação de educação em vigor”, obedecendo princípios como a garantia de acesso e frequência obrigatória ao ensino regular, atividade compatível com o desenvolvimento do adolescente e horário especial para o exercício das atividades.
O ECA também estabelece que o adolescente tem direito à profissionalização e à proteção no trabalho, observando-se a “condição peculiar de pessoa em desenvolvimento”, e à capacitação profissional adequada ao mundo do trabalho.
Além disso, a lei assegura trabalho protegido ao adolescente com deficiência, incluindo, entre outras condições, remuneração apropriada e diversas vedações, como tarefas noturnas -- das 22h às 5h --, horários e locais que não permitam a frequência à escola e condições perigosas, insalubres ou penosas -- realizadas em locais prejudiciais à sua formação e ao seu desenvolvimento físico, psíquico, moral e social.
Estudos realizados pelo Fundo das Nações Unidas para a Infância (Unicef) em praticamente todos os países chegam a um resultado comum: quem perdeu o lado lúdico dos primeiros anos de vida ou a preparação educacional adequada na infância e adolescência acaba enfrentando dificuldades exponencialmente ampliadas para alcançar o pleno desenvolvimento biopsicossocial.
Além disso, o sacrifício das crianças e adolescentes em prol de um enganoso reforço da renda familiar -- seja vendendo doces nos cruzamentos das cidades ou desempenhando qualquer outra função -- acarreta um círculo vicioso que se retroalimenta: o trabalho precoce subtrai horas de lazer e estudo; isso gera adultos frustrados, infelizes, despreparados para competir com aqueles que puderam dedicar seu precioso tempo às brincadeiras, otimização e potencialização de seus talentos e capacidades.
Tudo nessa equação leva a um resultado sempre negativo: quem entra para o mercado de trabalho precocemente desrespeitando as regras tem como triste sina a eternização da miséria. Ou seja, a roda viva do trabalho infantil tem, na falta de planejamento -- mais do que na pobreza -, causa e consequência.
Embora o caminho para a completa solução do problema ainda esteja sendo traçado, a boa notícia é que todos sabemos exatamente o que não deve ser feito para potencializar a questão da exploração do trabalho infanto-juvenil.
De acordo com a Secretaria Nacional dos Direitos da Criança e do Adolescente (SNDCA), o trabalho antes da idade ideal leva a consequências óbvias -- como evasão escolar ou, no mínimo, cansaço, desmotivação, desinteresse e, consequentemente, baixo rendimento -- além de outras repercussões não tão evidentes: saúde física prejudicada, desenvolvimento intelectual retardado, discernimento moral e ético deformado, maior probabilidade de descontrole emocional e exposição a acidentes.
O conhecimento de todos esses fatos e a experiência adquirida em um sem-número de ações desenvolvidas ao longo de décadas de tentativas nos credenciam a definir planos e traçar metas que levem à obediência plena dos direitos da criança e do adolescente em nossa cidade.
O ponto de partida para isso deve ser, evidentemente, o entendimento entre as instituições representativas governamentais, empreendedores e sociedade civil. Só resta saber quem vai dar o primeiro passo.