Consumo de drogas e a pandemia social

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Desespero? Angustia? Revolta? Impotência? Qual desses sentimentos levaria uma pessoa a obrigar seu filho a comer porções de maconha e, ainda, expor essas imagens constrangedoras nas redes sociais? Não obstante a discutível adequação da atitude, a reação do pai de família -- visualizada e compartilhada mais de um milhão de vezes em poucos dias -- demonstra claramente a malfadada somatória de todos esses aspectos no cotidiano: o tráfico e o consumo de drogas ilícitas fugiram completamente ao controle do indivíduo. Correta ou equivocada, a atitude desse sorocabano deve ser traduzida como um apelo desesperado à sociedade para que assuma seu papel e coloque um ponto final no caos que assola o planeta inteiro, independentemente do país, da cultura ou das condições econômico-sociais.

As estatísticas comprovam que o remédio contra a pandemia dos narcóticos não se restringe a ação policial. É evidente que o caminho para a cura dessa doença social passa, obrigatoriamente, pela intensificação da repressão aos traficantes -- incluindo a melhoria do aparelhamento técnico e o tão reclamado aperfeiçoamento das leis --, porém, já está mais do que comprovado se tratar de uma ação multidisciplinar, uma guerra envolvendo todas as forças disponíveis, com destaque para a educação, a conscientização, a solidariedade e, especialmente, a estruturação familiar. Dados de um estudo piloto realizado há dois anos pela Sociedade de Pediatria de São Paulo (SPSP), mostraram que o uso do álcool no consumo familiar é bastante elevado (44%), seguido pelo tabaco (35%), maconha (28%) e depois pelo crack (12%).

O trabalho da SPSP reforça na prática as especulações sobre a influência do ambiente na formação das crianças. Fatos reais apontam que, crescer em um ambiente onde os pais são alcoólatras ou usuários de drogas aumenta a probabilidade deste indivíduo também fazer uso dessas substâncias. Em outras palavras, evitar este tipo de influência é o primeiro passo da prevenção. Estudos semelhantes desenvolvidos por outras entidades médicas avançam no esclarecimento das pré-condições para a dependência química. Eles evidenciam, por exemplo, que a adolescência é a faixa etária de maior vulnerabilidade para a experimentação e o uso abusivo de álcool e drogas. Já os motivos que levam ao aumento do consumo dessas substâncias são diversos: alguns fatores podem estar relacionados a essa fase da vida, na qual são comuns a sensação de onipotência, ou seja, sentir que tem poder para fazer o que quiser e a necessidade de desafiar a família e a sociedade buscando novas experiências.

Paralelamente aos aspectos sociais e emocionais envolvidos na questão, é inegável a influência nefasta do acesso cada vez mais precoce às bebidas alcoólicas e às drogas ilícitas. Pesquisa do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) sobre o tema concluída em 2016 -- a mais recente -- mostra que mais da metade dos alunos do 9º ano do ensino fundamental já haviam ingerido ao menos uma dose de bebida alcoólica, proporção superior aos 50,3% registrados em 2012. No entanto, o dado mais inquietante é que, tanto na primeira pesquisa quanto na posterior, um em cada cinco jovens teve pelo menos um episódio de embriaguez. Essa é a mesma porcentagem dos alunos que revelaram ter experimentado alguma droga ilícita. Especialistas ressaltam que quanto menor a idade de início da ingestão de bebida e outras drogas, maiores as possibilidades de o jovem se tornar um usuário dependente ao longo da vida.

Crianças e jovens que consomem essas substâncias podem desenvolver problemas como: ansiedade, depressão, transtorno de personalidade, déficit de memória, perda de rendimento escolar, retardo no aprendizado e no desenvolvimento de habilidades. Lamentavelmente, crianças e adolescentes são muito influenciados também pelo grupo no qual está inserido. Se o grupo acha normal e legal beber em excesso ou usar drogas, eles também acharão ou serão compelidos a achar. E o que é mais preocupante: o uso dessas substâncias tem sido cada vez mais aceito socialmente.

De acordo com as Normas Internacionais do Escritório das Nações Unidas sobre Drogas e Crime (Unodc) e da Organização Mundial da Saúde, OMS, sobre Prevenção ao Uso de Drogas, os programas de prevenção baseados em evidências para crianças e adolescentes devem incluir diversos elementos. Entre eles, o incentivo ao envolvimento positivo na vida das crianças e a comunicação eficaz, abrangendo a definição de regras e limites. Além disso, currículos escolares devem desenvolver habilidades pessoais e sociais para jovens, incluindo tomada de decisões, definição de objetivos e habilidades analíticas. Assim, os jovens são informados corretamente sobre os efeitos de substâncias psicoativas e podem resistir a influências que possam levar ao consumo de drogas. Também é citada, por exemplo, a necessidade de uma aplicação rigorosa de regulamentos para limitar o acesso a medicamentos psicoativos, ao tabaco, álcool e cannabis para crianças e adolescentes.

Como está demonstrado, qualquer que seja o viés pelo qual se avalie a enfermidade planetária convencionalmente chamada de entorpecentes, o tratamento exige ações com ampla participação da família e dos governos locais. Com a palavra, a sociedade.