Dessa vez, bom senso prevaleceu
Após mais uma presepada do Supremo Tribunal Federal, que colocou frente a frente os ministros Kaio Nunes Marques e Gilmar Mendes, com posições antagônicas sobre o tema, o colegiado do principal tribunal do País decidiu anteontem (8) que prefeitos e governadores podem, sim, proibir a realização de cultos religiosos presenciais como forma de tentar conter a disseminação do novo coronavírus.
Por 9 votos a 2, a Corte validou o decreto do Estado de São Paulo que vetou a realização de atividades coletivas por um período determinado para impedir aglomerações de pessoas. É preciso deixar claro que a decisão da Corte não obriga o fechamento total de templos religiosos. No entanto, a partir de agora, os governadores e prefeitos que quiserem adotar a medida estão liberados pelo STF.
Os dois únicos ministros que votaram contra o decreto -- e portanto a favor da permissão para a realização de cultos religiosos -- foram Nunes Marques e o ministro Dias Toffoli. O voto de Marques era óbvio. Na semana passada, em uma decisão individual, ele atendeu a um pedido de liminar da Associação Nacional de Juristas Evangélicos (Anajure) e liberou a realização de cultos, desde que os protocolos sanitários fossem respeitados, como ocupação máxima de 25%, distanciamento social e uso obrigatório de máscara e alcool em gel. Foi essa decisão monocrática que despertou a bronca de Gilmar Mendes e acabou levando o caso ao plenário do Supremo -- quando votam todos os 11 integrantes do tribunal.
Ao defender seu voto, Nunes Marques disse que o País passa por uma crise nos direitos individuais e coletivos, e que “a Constituição não poderia ser descumprida temporariamente”. Em seguida, porém, os ministros Alexandre de Moraes, Edson Fachin, Luís Roberto Barroso, Rosa Weber, Cármen Lúcia, Ricardo Lewandowski, Marco Aurélio, e o presidente do STF, Luiz Fux, seguiram o voto dado por Gilmar Mendes na véspera, a favor da restrição, e jogaram um balde de água fria nas pretensões de Marques. Em sua manifestação, Moraes disse que o Estado não deve levar em conta questões religiosas para tomar suas decisões. “A liberdade religiosa tem dupla função. Proteger todas as fés e afastar o Estado laico de ter de levar em conta dogmas religiosos para tomar decisões fundamentais para a sobrevivência de seus cidadãos. O Estado não se mete na fé, a fé não se mete no Estado”, disse.
A decisão foi, até certo ponto, surpreendente. Antes de os ministros declararem seus votos, especialistas políticos apontavam que a liberação dos templos religiosos tinha boas chances de passar. Não é novidade para ninguém a força da bancada religiosa no Congresso e também no atual governo. Tanto que, ainda no início do julgamento, o advogado-geral da União, André Mendonça, afirmou que a Constituição Federal não compactua com o fechamento absoluto de templos religiosos. Durante sua sustentação, o ministro da Advocacia-Geral da União (AGU) também criticou medidas de toque de recolher adotadas por prefeitos e governadores que, em sua visão, são incompatíveis com o Estado Democrático de direito.
Apesar da disputa político-religiosa, ao que parece desta vez o Supremo agiu com bom senso. Afinal, se o objetivo é conter o fluxo de pessoas para inibir o contágio do vírus, não faz muito sentido abrir uma exceção para os cultos religiosos. Há que se lembrar que diversos segmentos da sociedade seguem sofrendo impiedosamente, tanto pela crise sanitária, como também pela redução da atividade econômica. Um dos mais atingidos é o comércio e os prestadores de serviços, que estão tendo de lidar com as idas e vindas das medidas de restrição desde o primeiro semestre do ano passado.