Estupidez também mata
Depois de muita confusão e postergações sem sentido, eis que, finalmente, os brasileiros começam a receber munição básica para a guerra contra a Covid-19.
A vacina -- de qualquer procedência, desde que com eficiência comprovada -- é arma essencial na estratégia para derrotar o novo coronavírus.
No entanto, está perfeitamente claro que apenas o antivírus, isoladamente, não terá força suficiente para salvar os milhões de vidas ainda na mira dos potentes canhões inimigos. Será preciso, mais do que nunca, elevar as barricadas e mantê-las intactas, enquanto aguardamos o tempo exato de contra-atacar.
Essa barreira de contenção é formada pelos protocolos sanitários que todo o mundo, literalmente, conhece de cor e salteado há mais de dez meses. O problema é que, lamentavelmente, muita gente continua insistindo em ignorar atitudes simples como higienizar as mãos corretamente, usar máscara e, principalmente, evitar aglomerações.
Este último item das medidas profiláticas contra a pandemia -- o isolamento social -- tem se demonstrado um verdadeiro desafio em muitos lugares.
Em Sorocaba, porém, se transformou em caso de polícia. Por mais incrível que possa parecer, as autoridades da área de segurança -- polícias e Guarda Civil Municipal -- e da fiscalização são obrigadas a lançar mão semanalmente de instrumentos como operações conjuntas e abordagens sistemáticas, para obrigar os cidadãos a se protegerem contra a doença.
O perigo representado pelo compartilhamento de espaços, mesmo em ambientes abertos, por um grande número de pessoas vem sendo alertado desde os primeiros indícios da crise, em dezembro de 2019, na província chinesa de Hubei.
Estudos científicos ratificados por inúmeras instituições internacionais já provaram que a Covid-19 tem um padrão de transmissão em que poucos infectados pelo Sars-CoV2 são responsáveis por todas as novas infecções. Já foram identificados portadores assintomáticos do vírus que geraram centenas ou mesmo milhares de casos. Em inglês, são conhecidos como “superspreaders”, ou “super-espalhadores”.
No município de Sorocaba e cidades vizinhas, o topo do ranking das aglomerações é ocupado por eventos não autorizados, regados a música de vários estilos e bebidas alcoólicas, sempre com muito barulho e, em alguns casos, com consumo de substâncias ilícitas.
Vão desde as gigantescas festas raves e bailes funk -- tradicionais pancadões --, em espaços abertos da periferia, até os shows em casas noturnas e algumas comemorações particulares.
Em comum, o que todas essas festividades possuem são as grandes concentrações de pessoas por metro quadrado, o desprezo pelo uso de proteção facial e o partilhamento de copos, latas e garrafas de bebidas e de cigarros.
Conquanto não se possa negar a esses eventos o reconhecimento de fenômenos culturais e a condição de opções de lazer, eles têm sido, há muito tempo, alvo de críticas de grande parcela da sociedade, por conta do desrespeito à Lei nº 4.913, de 4 de setembro de 1995 -- mais conhecida com Lei do Silêncio.
Desde março de 2020, porém, os tradicionais inimigos do sossego se transformaram em ameaça aterradora à saúde pública. Frequentados predominantemente por jovens aparentemente saudáveis, mas potencialmente “superspreaders”, os pancadões, festas raves, shows ou mesmo as comemorações particulares com grande número de participantes destoam dos esforços dos demais setores da comunidade -- inclusive as atividades produtivas -- destinados a afastar o quanto antes possível o suplício que é a Covid-19.
Alheios aos malefícios que estão ajudando a alastrar mudo afora, grande parte dos participantes das festas de funk,
raves e shows de outros estilos musicais justificam a imprecaução com a própria condição de jovem, como se a pouca idade fosse uma proteção natural.
Na verdade, essas pessoas estão sendo vítimas da ignorância, uma vez que, ao contrário do que se acreditava no início da pandemia, o coronavírus -- especialmente as cepas mais recentes -- tem se mostrado igualmente letal para pacientes mais e menos idosos, da mesma maneira que sua atuação não é restrita apenas ao aparelho respiratório.
Uma prova de que a Covid-19 é mais potente e destruidora do que se imaginava 10 meses atrás é o crescimento acelerado de todas as cifras a ela relacionadas. O cômputo dessa terça-feira (19), de acordo com a Universidade John Hopkins, aponta 95.703.104 casos em todo o planeta, com 2.044.445 óbitos. O Brasil, lamentavelmente, continua representando grandes fatias dos registros totais: 8.511.770 infectados e 210.299 mortos.
Porém, caso as contagens nacionais e globais não sejam suficientes para sensibilizar os sorocabanos que não conseguem sobreviver longe das baladas sob quaisquer circunstâncias, aqui vão os dados locais: dos 29.123 sorocabanos que contraíram a doença até agora, 606 não conseguiram resistir a ela. Diante da frieza dos números, cabe aos baladeiros contumazes se questionarem até que ponto estão decididos a arriscar. Continuarão achando que vale a pena arriscar, caso as próximas estatísticas incluam seus próprios parentes, amigos ou vizinhos? Não seria pura estupidez persistir no erro?