Patrimônio histórico resgatado

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De maneira discreta, foi inaugurada na última quarta-feira a restauração da Igreja de Sant’Ana, parte do conjunto arquitetônico que forma o Mosteiro de São Bento, marco da fundação de Sorocaba. Para marcar a data, foi celebrada uma missa solene em ação de graças pela conclusão das obras, mas que não foi aberta ao público. Celebrada pelo arcebispo metropolitano de Sorocaba, dom Julio Endi Akamine, estiveram presentes apenas alguns religiosos e o coro dos monges beneditinos. Houve, entretanto, transmissão da cerimônia religiosa pela internet na página do mosteiro em uma rede social. A inauguração da restauração da igreja tem importância cultural e religiosa, lembrou o arcebispo. Para ele, as peças restauradas não devem ficar guardadas ou exibidas somente em exposições temporárias. Segundo o religioso, elas servem ao culto e o culto dá ao patrimônio histórico e cultural seu verdadeiro valor.

A obra integra o complexo arquitetônico do Mosteiro de São Bento de Sorocaba e foi aprovada pelo Condephaat em 2005. Baltasar Fernandes, considerado o fundador de Sorocaba, para atrair a presença dos beneditinos na comunidade que então criava, ofereceu terras à ordem religiosa, desde que fosse erguido um mosteiro no local e criado um curso de primeiras letras para educar as crianças, entre outras exigências em troca da grande área do povoado que nascia.

De acordo com Rocco Fraioli, monge beneditino responsável pelo mosteiro, a primeira fase do restauro envolveu a parte estrutural da igreja, com recuperação do telhado, forro e paredes de todo o complexo. A fase mais recente foi marcada pelo restauro do mobiliário artístico da igreja, o que inclui o altar mor, púlpitos, altares laterais, arco do cruzeiro e douração do retábulo, a estrutura de madeira que tem nichos para imagens ao fundo do altar.

A igreja agora restaurada é considerada a edificação mais antiga do município ainda em pé. Foi construída em taipa de pilão em 1654 e marca o início da fundação da Vila de Nossa Senhora da Ponte de Sorocaba. A edificação foi doada em 1660 aos beneditinos de Sant’Ana do Parnaíba, terra natal de Baltasar Fernandes e a obra do mosteiro começou no ano seguinte.

A restauração de todo o mosteiro ainda não foi concluída e terá que esperar mais um pouco, pois está sendo feita por fases, de acordo com recursos disponíveis. Mas mesmo a passos lentos, o restauro do mais antigo conjunto arquitetônico tombado em Sorocaba está seguindo, como prova a inauguração da Igreja de Sant’Ana. O mesmo poderia ocorrer com uma série de edifícios igualmente tombados que estão ameaçados até de desabamento pelo descaso do poder público.

Há prédios de grande interesse histórico que estão em situação crítica, como é o caso da antiga estação da Estrada de Ferro Sorocabana, que tem uma série de problemas e precisa de urgente intervenção especializada. O Palacete Scarpa, que abriga órgãos municipais, igualmente necessita de restauro urgente e há ainda o caso mais grave, o prédio do antigo fórum da cidade localizado na praça Frei Baraúna. O edifício, propriedade do governo estadual, já abrigou delegacia regional da Secretaria da Cultura e, mais recentemente, a Oficina Cultural Grande Otelo.

A Associação Comercial de Sorocaba (Acso) vem demonstrando nos últimos anos interesse em auxiliar a cidade na recuperação de seu patrimônio histórico e arquitetônico. Inicialmente se propôs a reformar o prédio do Fórum Velho, desde que ele fosse cedido para a Prefeitura para que pudesse fazer um contrato de comodato e servir de sede para a entidade. A ideia era preservar espaços para utilização em eventos culturais. Até hoje o governo estadual, mais especificamente a Secretaria da Cultura e Economia Criativa do Estado de São Paulo, não deu resposta para a solicitação. A Acso então alugou dos monges beneditinos as edificações construídas ao lado do mosteiro e que já tiveram várias utilizações, inclusive uma Companhia da Polícia Militar. Essas edificações não são tombadas, pois são de construção recente, mas foi uma maneira de ajudar, com o dinheiro do aluguel, a restauração de todo o patrimônio. A entidade, entretanto, depende de autorização para realizar pequenas adaptações nos prédios que, embora não sejam tombados, estão no entorno do patrimônio histórico. Problemas burocráticos têm impedido as reformas para que a Acso passe a funcionar em novo endereço.

A conclusão de restauração da Igreja de Sant’Ana, obra realizada basicamente com doações, mostra que há um caminho viável para a restauração do patrimônio histórico, mas é preciso também vontade e empenho do poder público.