Saída da Ford é alerta ao Brasil

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Primeira montadora a se instalar no Brasil, em 1919, a Ford tinha 102 anos de atuação por aqui. Mas essa história centenária acabou ontem, quando a empresa anunciou sua saída do País. Alegando reestruturação em seus negócios globais, a Ford está indo embora.

Em nota, a empresa informou que tomou a decisão após anos de perdas significativas no Brasil. A multinacional acrescentou que a pandemia agravou o quadro de ociosidade e redução de vendas na indústria.

A saída da Ford é bola cantada. Em 2019, a montadora já tinha encerrado sua produção em São Bernardo do Campo, no ABC, sinalizando mudanças. Agora, informou que vai fechar as demais fábricas no País: Camaçari (BA), onde produz os modelos EcoSport e Ka; Taubaté (SP), que produz motores; e Horizonte (CE), onde são montados os jipes da marca Troller.

A produção será encerrada imediatamente em Camaçari e Taubaté, mantendo-se apenas a fabricação de peças por alguns meses para garantir disponibilidade dos estoques de pós-venda.

A fábrica de Horizonte continuará operando até o quarto trimestre de 2021. Serão mantidos no Brasil apenas a sede administrativa da montadora na América do Sul, em São Paulo; o centro de desenvolvimento de produto, na Bahia; e o campo de provas de Tatuí (SP). As vendas do EcoSport e do Ka serão encerradas assim que terminarem os estoques.

Para se ter uma ideia do impacto, somente em empregos diretos, serão cerca de cinco mil demissões, além de milhares de empregos indiretos perdidos. A marca seguirá vendendo veículos no Brasil, mas eles serão importados das fábricas localizadas na Argentina, Uruguai e outros países.

Bem, se a notícia da saída da Ford já não fosse triste o bastante, ela é também um sonoro alerta para um problema antigo que vem atrapalhando a economia do Brasil e os brasileiros: as dificuldades que investidores, empresas e empresários têm para manter e prosperar seus negócios no País. Um conjunto de fatores desestimula a prática econômica no Brasil e isso é um risco para todos.

Os altos tributos e impostos, a falta de transparência, as incertezas jurídicas, a baixa produtividade, dificuldades trabalhistas e a burocracia sem fim levam a uma enorme insegurança para as empresas e investidores. É o chamado Custo Brasil. O resultado é isso que vimos ontem, com uma montadora importante tirando o Brasil de seus planos e cenários.

É fato que várias situações contribuíram para essa saída. A primeira é a própria estratégia da Ford. A empresa realmente tem feito uma reestruturação global. Não podemos esquecer dos novos costumes, em que o compartilhamento -- inclusive de veículos -- ganhou força e espaço, diminuindo o interesse no carro próprio.

Por fim, uma pandemia que virou o mundo de ponta cabeça. Mas mesmo com tudo isso, um dos principais motivos do adeus da Ford é o Custo Brasil.

Por exemplo, a indústria automobilística no Brasil possui capacidade de produção de 5 milhões de veículos por ano. No pico, chegou a 3,5 milhões/ano, com média em torno de 2 milhões. Ou seja, uma capacidade ociosa considerável. Portanto, é necessário modernizar o setor e ganhar produtividade.

Em 2020, a produção de veículos no País caiu 31,6%, pior resultado desde 2003. As exportações tiveram queda de 25%. O setor vem se recuperando, sim, mas de forma lenta e sofrida. Uma projeção indica alta de 25% em 2021, ou seja, sem se recuperar totalmente do tombo de 2020. É preciso lembrar ainda da importância do setor automotivo, que representa 4% do PIB.

A mensagem da saída da Ford precisa ser entendida. A decisão da montadora escancara nossa incapacidade, como País, de atrair, manter e incentivar novos negócios. Não estamos conseguindo nos atualizar em relação às melhores práticas de mercado.

Pois no final, as empresas reagem aos ambientes em que estão inseridas. É necessário que se implemente uma agenda para melhorar o ambiente de negócios, aumentar a competitividade dos produtos brasileiros. Isso não é apenas discurso. É a realidade enfrentada pelas empresas.

A alta carga tributária brasileira faz diferença na hora da tomada de decisões. O custo de cada automóvel produzido aqui, por exemplo, dobra apenas por conta dos impostos -- e ainda há governantes que pensam no absurdo de aumentar tributos, como no caso da inacreditável alta do ICMS em São Paulo.

Precisamos urgentemente fazer as reformas estruturais, baixar impostos e melhorar a competitividade da nossa economia para atrair investimentos e gerar os empregos de que o Brasil precisa.

Pois o desemprego é danoso. Serão mais famílias na fila dos benefícios, mais fome, mais miséria. E quanto mais miséria, mais violência. É um círculo vicioso, danoso e abominável. E menos impostos, claro. Ou seja, governo mais pobre e população mais pobre. Isso sem falar nas oportunidades perdidas. Com incentivos, facilidades e regras claras, mais empresas poderiam ser montadas ou vir para cá, gerando recursos, empregos etc.

É preciso a aprovação das reformas, sobretudo a tributária. É preciso haver mais racionalidade dos sistemas de produção, taxação, trabalhista. É preciso investimento em infraestrutura para que as falhas do País não impliquem no custo dos produtos. No final das contas, as empresas e também a população brasileira pagam demais para terem pouco retorno.