Filmes da Netflix: ‘Relatos do mundo’

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Kidd (Tom Hanks), obstinado em procurar alguém que acolha Johanna (Helena Zengel). Crédito da foto: Divulgação

Kidd (Tom Hanks), obstinado em procurar alguém que acolha Johanna (Helena Zengel). Crédito da foto: Divulgação

Começarei dando, em linhas muito gerais, o panorama histórico em que se desenvolve este filme de 2020, dirigido por Paul Greengrass, nascido no Reino Unido.

As lutas religiosas e políticas na Europa provocaram o afluxo para América do Norte, não só de ingleses, mas também de holandeses, suecos, dinamarqueses, alemães, suíços etc. Esses europeus escolhiam a zona temperada, de clima mais frio e próximo ao da Europa, para se estabelecer com suas famílias, com a intenção de criar uma civilização que se assemelhasse à do continente europeu. Seus produtos eram principalmente destinados ao mercado interno, geralmente suprido a partir de pequenas propriedades.

Já as zonas tropical e subtropical do sul produziam o que faltava na Europa: açúcar, pimenta, milho, tabaco, algodão. O colono europeu que se dirigia a essas regiões, em que predominam verões extremamente quentes com chuvas regulares, vinha como empresário, empenhado em exploração de larga escala em fazendas e engenhos. Essas atividades, que requerem grande quantidade de mão de obra, que não atraíam o europeu em virtude do clima. A saída para suprir a demanda de mão de obra foi a escravatura de indígenas e, principalmente, de africanos, a partir do início do século 18.

A Guerra de Secessão surgiu quando os Estados do sul se uniram e declararam sua separação do resto do País, criando os Estados Confederados da América, que se opunham ao Norte. A guerra durou de 1861 a 1865, foi vencida pelo Norte e, com isso, as diretrizes políticas do País passaram a ser estipuladas por Washington. A escravatura foi abolida em 1863. A derrota na guerra ocasionou a perda de fortuna por famílias de aristocratas rurais, o aumento da pobreza, o declínio de muitas cidades e ao surgimento de organizações suprematistas brancas, das quais a mais famosa foi a Ku Klux Klan, criada em 1865, extremamente violenta contra afro-americanos e ativistas defensores dos seus direitos civis.

“Relatos do mundo” transcorre em 1870, cinco anos após o fim da Guerra de Secessão. O capitão do derrotado exército do sul, Jefferson Kyle Kidd, agora ganha a vida errando isolado de cidade em cidade, lendo notícias de diversos jornais para a população. Depara então com uma menina arisca, que foi criada por indígenas que chacinaram sua família de origem alemã. A partir daí, o filme se concentra no esforço de KIdd de levar a menina para um lugar seguro.

Para quem gosta de História, o grande mérito do filme consiste em mostrar as consequências da guerra, em que o ódio se manifesta de forma contida ou aberta, não só entre vencedores e derrotados, mas também dos sulistas contra indígenas e, principalmente, contra negros. Somente em 1964, um século depois da abolição, movimentos de rua em que ocorreram mortes, agressões e prisões levaram à promulgação da Lei dos Direitos Civis, que estendia o direito de voto a todos os norte-americanos e que assegurava a igualdade racial nos Estados Unidos.

O passado militar de Kidd não é citado. É difícil ao espectador imaginar como essa figura, tão humana e simpática, chegou a capitão de um exército que se empenhou numa guerra sangrenta que ocasionou a morte de 600 mil pessoas.

Na próxima semana escreverei sobre “Quando a vida acontece”.

Esta série de artigos está incluída no projeto Cine Reflexão da Fundec