A vida que renasce
Adriane Mendes - adriane.mendes@jornalcruzeiro.com.br
"É uma batalha atrás da outra, mas veja, hoje estou aqui, muito bem". É dessa forma que o empresário paulistano Daniel Juarez Alonso, de 43 anos, e que há sete trata-se de hepatite C, descreve como sempre conseguiu forças para prosseguir vivendo, até chegar ao momento atual. Foi submetido ao transplante combinado de fígado e rim e, para surpresa até da equipe médica, deixou a Unidade de Terapia Intensiva (UTI) em menos de 12 horas no pós-operatório. Em dez dias recebeu alta médica.
O transplante combinado de fígado e rim foi indicado para seu caso que em decorrência da hepatite C houve uma evolução para cirrose (mesmo sem ter histórico de alcoolismo), chegando ao estágio de insuficiência renal crônica. Esse procedimento ocorre em menor quantidade, tendo em vista não ser comum o paciente de cirrose em decorrência da hepatite C, como nesse caso específico, perder o rim e necessitar do transplante combinado. Apesar da complexidade e da gravidade do quadro de tais pacientes, o médico Renato Hidalgo, cirurgião responsável pelos transplantes de fígado do Hospital da Unimed Sorocaba, afirma que os transplantados levam vida normal, bastando apenas atentar a algumas restrições, como tomar o medicamento corretamente, fazer acompanhamento médico e não tomar bebida alcoólica.
Antes de deixar o Hospital da Unimed, no último dia 19, Daniel Alonso aceitou falar com a reportagem a fim de incentivar outros pacientes a não desistirem do tratamento, que ele reconhece "sim, ser longo, e por vezes penoso".
Acompanhado da esposa Tassiana e com saudades dos filhos Murilo e Manoela, de 11 e 8 anos de idade respectivamente, Daniel Alonso aconselhou a todos fazerem exames de hepatite C por se tratar de uma doença silenciosa, que é a maior causa de cirrose no mundo mesmo sem implicação com bebida, e que aparece exatamente quando se está com o organismo debilitado: "com o diagnóstico precoce, pode-se evitar tudo o que passei até aqui", enfatiza o empresário, que também ressalta que todo paciente deve se apegar às pessoas que o amam e estão ao seu redor. Para ele, o importante é não se deixar levar e nem se influenciar por quem abandona o tratamento no caminho e até voltam a beber. Segundo ele, essa doença é algo muito comum e possível de ser vencida.
Confiar na equipe médica faz parte do sucesso na batalha contra a doença e foi isso que o fez concordar com transplante. Tinha preconceito em aceitar o órgão de alguém que morreu, como que se estivesse beneficiando ou torcesse por alguma morte. Entretanto, os médicos o fizeram compreender que não se trata em desejar a morte de outra pessoa, mas sim poder aproveitar a vida que é oferecida após o passamento.
O paciente também fez questão de agradecer os médicos responsáveis por hoje estar tão bem: o infectologista Fernando Ruiz, que o encaminhou para o hepatologista Isaac Altikes, de São Paulo, e que por sua vez o enviou para a equipe chefiada pelo hepatologista Renato Hidalgo, responsável pelo transplante. E a felicidade do paciente era também de toda equipe do hospital, que se juntou ao Daniel para a foto da despedida com final feliz.
Referência
Referência regional desde 2003 em transplantes de fígado, rim, medula óssea e coração, o Hospital da Unimed Sorocaba realizou, no início de junho, o 50º transplante de fígado ao longo dos últimos dois anos (apenas um pela rede particular) e o segundo transplante combinado.
Procedimento raro, uma vez que nem todos pacientes necessitam também de um rim, o hepatologista Renato Hidalgo diz que, no ano passado, em todo o Estado de São Paulo, foram realizados apenas 12 transplantes combinados, entre esses um ocorrido em novembro, exatamente no Hospital da Unimed local, contemplando um paciente de Iperó.
Já neste ano, desde primeiro de janeiro até o último dia 18, dos 253 transplantes de fígado, apenas seis foram na modalidade combinado. Entretanto, segundo enfatiza Renato Hidalgo, o paciente submetido ao transplante combinado chega a tomar até menos imunossupressores de quem recebe apenas o rim.
Em casos de transplantes em geral, Hidalgo cita que a possibilidade de rejeição do órgão existe em todos os casos, mas em se tratando do fígado, o risco é menor. Isso porque, como disse, se trata de um órgão privilegiado. O que provoca a rejeição é o contato do sistema imunológico do receptor com o órgão doado e no caso do fígado a reação é muito pequena, chegando inclusive a proteger o novo rim quando se trata de um transplante combinado.
No caso do empresário, os órgãos vieram de uma mesma pessoa do interior do Estado, vítima de morte encefálica. O paciente Daniel Alonso tinha 50% de chances de morrer em três meses, caso não conseguisse o transplante. Ele estava na fila para transplantes desde março deste ano.
O médico Renato Hidalgo explica que o critério para o transplante de fígado é o da severidade do caso. Já em outros transplantes de outros órgãos, como rim ou coração, o critério é cronológico, contemplando por ordem de inscrição. E isso se dá, conforme explica o especialista "pelo fígado ser um órgão sem alternativa de substituição temporária, enquanto que no caso do rim se pode recorrer à hemodiálise, ou mesmo do coração, para o qual há dispositivos que podem ser usados."
Para saber quem na fila do transplante de fígado está mais grave, se utiliza uma conta matemática denominada Meld, que é feita com base nos exames de sangue do paciente, determinando assim quem está mais grave e correndo risco de morte. No caso do empresário, a conta havia apresentado índice 31, o que é considerado alto. Ainda sobre o empresário, o médico disse que a primeira indicação de que o paciente terá vida normal é que desde a cirurgia não foi mais submetido à hemodiálise, o que fazia diariamente já há um bom tempo.
Dentro da normalidade prevista, o hepatologista ressalta apenas a necessidade de poucas restrições de dieta e de hábitos, como por exemplo não ser recomendável ingerir bebida alcoólica, mesmo que o transplante não tenha sido provocado por excesso de bebida.
Dificuldade
De acordo com o hepatologista Renato Hidalgo, o órgão mais difícil de se obter é o rim, uma vez que há muitas pessoas na fila de espera. Mesmo com tamanha dificuldade é o maior número de transplante realizado no mundo, e consequentemente no Brasil.
Já o pulmão é o órgão que requer maior cuidado para ser doado, pois exige-se que o doador seja jovem, não ser fumante, e ter permanecido pouco tempo na Unidade de Terapia Intensiva (UTI).
Mas quando se trata de pacientes infantis, Hidalgo explica que se o transplante for de fígado, a criança tem preferência na fila. Até pelo fato de ser possível receber rim e fígado de doador vivo, (preferencialmente dos pais por questão imunológica), a fila de crianças é menor em relação a de adultos.
Com uma média de dois a três transplantes por mês no Hospital da Unimed de Sorocaba, Renato Hidalgo atenta que se as pessoas fossem mais esclarecidas sobre as mortes encefálicas, existiriam mais doadores de órgãos. Ele ressalta que os exames atuais não deixam dúvidas quanto à morte do paciente, não havendo, portanto, possibilidade de o mesmo estar em coma. Outra dificuldade apontada pelo especialista em transplante de fígado, é a falta de estrutura hospitalar de uma forma geral que poderia absorver mais doadores de órgãos.