Cemitério de pás eólicas preocupa no Distrito Industrial de Sorocaba

Por Marcel Scinocca

Crédito da foto: Erick Pinheiro

Vegetação está tomando conta das pás eólicas deixadas pela empresa, muitas delas estão se decompondo. Crédito da foto: Erick Pinheiro

Um verdadeiro cemitério de pás eólicas pode ser visto no Distrito Industrial de Sorocaba. Os objetos estão em áreas que foram usadas pela Tecsis Tecnologia e Sistemas Avançados S.A. na estocagem das pás, antes do transporte. Ao menos até maio do ano passado, milhares desses objetos, usado para movimentar equipamentos geradores de energia, foram comercializados pela empresa, mas algumas dezenas ficaram em Sorocaba, parte em evidente abandono. A estimativa é que restaram nos terrenos quantidades que ultrapassam 1300 toneladas, ou mais de 1,3 milhão de quilos dos itens, isso considerando os objetos com 13 toneladas cada.

Todo o material está concentrado em pelo menos três áreas. Na primeira delas, próximo a um dos córregos que abastece a represa do Ferraz, que fica no bairro do Éden, dezenas de pás se concentram em duas pilhas. Parte dessas pás está se decompondo, escondida na vegetação.

Crédito da foto: Erick Pinheiro

Outra parte do terreno concentra mais dezenas de pás. Algumas inteiras, mas boa parte delas em pedaços. No local, também há itens alocados, aparentemente, há muito tempo, por isso, em processo de decomposição. Imagens de satélite deste ponto ajudam a ilustrar a montoeira de material.

Há ainda material em pelo menos mais um local, embaixo da rede de alta tensão de eletricidade que corta Sorocaba e distribui energia elétrica para boa parte do Estado. Os materiais também estão em decomposição, mostrando que já estão no local há um bom tempo.

Questionada, a Tecsis diz que vai retirar os materiais dos locais, mas não tem prazo para isso.

Segundo Eduardo Castro, responsável pela comunicação da empresa, será dada a destinação adequada aos itens de duas formas. A primeira é com relação aos materiais que fazem parte do processo de produção e que não necessitam de descarte assistido. Será realizada uma concorrência pela Tecsis com prazo de dois meses para ser efetivado.

Já no caso das pás, inteiras ou as danificadas, o processo, segundo ele, é mais criterioso e demorado. Nesse caso, há a necessidade de autorização da Receita Federal, que designa um fiscal para acompanhar o processo. “Depende do agendamento com fiscal para a destruição assistida e isso demora quase um ano e meio”, afirma. Eduardo ainda diz que a quebra de pás pode ocorrer por acidente rodoviário ou durante o içamento no transporte.

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Crédito da foto: Erick Pinheiro

Ainda conforme ele, caso as pás já estejam vendidas, há a necessidade de autorização do cliente para o descarte, o que pode fazer com que o processo demore mais. Ele também afirmou que a empresa sempre teve autorização para operar no local, inclusive para trabalhos de terraplanagens. Com relação aos materiais próximos da rede de alta tensão, Castro diz que o fato sempre ocorreu e com anuência da CPFL.

Receita Federal

Após as declarações da Tecsis, a Receita também foi questionada sobre a situação. “Em relação à extinção de regimes aduaneiros especiais via destruição de mercadorias, assunto em questão, podemos afirmar, de maneira geral, que uma das formas de extinção de regimes aduaneiros especiais (importação temporária com suspensão de tributos) é a destruição sob controle aduaneiro, que deverá necessariamente ser acompanhada por um auditor-fiscal da Receita Federal”, confirma.

Crédito da foto: Erick Pinheiro

Entretanto, conforme a Receita, para que isso ocorra, é necessário que o requerente abra um dossiê digital de atendimento pelo qual solicitará a destruição de mercadorias, informando os dados necessários para identificação dos bens. A empresa importadora deve contratar empresa que possua certificado ambiental, ou comprovar que é caso de sua dispensa, para destruir e fazer o descarte dos resíduos. Por conta do sigilo fiscal, a Receita não informou se há processo em andamento solicitado pela Tecsis.

Organismos falam em providências

A Prefeitura de Sorocaba informa que vai tomar medidas com relação ao abandono das pás eólicas. A Secretaria do Meio Ambiente, Parques e Jardins (Sema) destaca que não tinha conhecimento e levará a questão imediatamente à Companhia Ambiental do Estado de São Paulo (Cetesb) para alertá-la sobre a situação, “pois se trata de uma atividade a ser fiscalizada e licenciada pelo órgão estadual”. Questionada se a Tecsis tinha autorização para terraplanagem em uma área com vários hectares, mesmo próximo a nascentes, córregos e mata, a Secretaria de Planejamento e Projetos (Seplan) da Prefeitura informa que enviará uma equipe de fiscalização ao local para apurar as denúncias e tomar as devidas providências.

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O Cruzeiro do Sul também questionou a Cetesb sobre a situação na segunda-feira (10) com relação à eventuais riscos e danos ambientais. Uma equipe do órgão foi enviada ao local e constatou que a empresa destinou estruturas metálicas e carcaças de pás (ferragem, madeira e tecido de fibra de vidro) num terreno de propriedade particular. Ainda conforme a Cetesb, embora a empresa tenha licença ambiental válida até 2020, foi constatada na vistoria que as atividades foram encerradas. “A empresa deverá, conforme estabelecido por lei, protocolar junto ao órgão ambiental a solicitação de encerramento, na qual devem constar estudos que indicam a destinação de matéria-prima e produtos da empresa, assim como a avaliação ambiental do imóvel utilizado para essa atividade”, diz a instituição.

Por fim, a Cetesb afirmou que uma nova vistoria deve ocorrer para avaliação e apresentação de outros estudos que possam responder sobre possíveis riscos à saúde e ao meio ambiente.

Rede de alta tensão

Pás estão sob rede de alta tensão, o que é proibido. Crédito da foto: Erick Pinheiro

Sobre o “estoque” dos itens em área da rede de alta tensão, a ISA CTEEP informa que não é proprietária do terreno. No entanto, a companhia é responsável pela chamada faixa de servidão, onde estão localizadas as torres de transmissão de energia elétrica e a rede. “A companhia esclarece que depositar lixo nas áreas de segurança por onde passam as linhas de transmissão é ilegal e desrespeita a norma NBR 5422 da Associação Brasileira de Normas Técnicas (ABNT)”, diz a empresa em nota. “A preservação dessas faixas tem o objetivo de garantir a segurança da população, evitar acidentes e prevenir eventuais problemas na prestação do serviço público de transmissão de energia”, acrescenta a ISA CTEEP, que vai tomar as “medidas cabíveis”.

A CPFL negou que tenha dado qualquer autorização à Tecsis.

Diante do caso apontado, a fiscalização da Agência Nacional de Energia Elétrica (Aneel) afirmou que enviará um alerta de monitoramento à transmissora, no caso a CTEEP, para que verifique a suposta ocorrência de atividades de risco dentro da faixa de servidão da linha de transmissão identificada.

Monitoramento da água

O diretor operacional de Produção do Saae de Sorocaba, Reginaldo Schiavi, disse que todos os mananciais que abastecem a população sorocabana são monitorados com análises químicas da água. Além do monitoramento em tempo integral, a cada semestre o Saae contrata análises de empresa terceirizada para também averiguar se há presença de metais e se atendem todos os parâmetros.

Engenheiro avalia possíveis riscos

O engenheiro e professor da faculdade Esamc, Carim Miguel Toubia, mestre em ciência e tecnologia de materiais, com MBA em gestão financeira e projetos, e que também foi funcionário da Tecsis por dez anos, avaliou o caso. Toubia explica que pás eólicas em estado de decomposição e abandono é uma situação nova e que suas consequências ainda estão no campo das hipóteses. Mas afirma que há alguns riscos potenciais envolvidos na questão. Um deles está relacionado aos componentes das pás, como fibra de vidro e resina epóxi.

“Não dá para afirmar sem ver o contexto, mas existe risco em potencial, levando em consideração a contaminação por partículas.”

Crédito da foto: Erick Pinheiro

Segundo ele, também é preciso observar a ação de sol e chuva sobre o material. O engenheiro relata tinta branca, usada no acabamento final das pás, o que também pode representar risco em potencial, já que em sua composição, em geral, apresentam poliuretano. “Sem proteção, essa tinta pode se decompor”, diz. “Se há risco, ele pode ser baixo, médio ou alto. Mas nesse caso, não dá para saber, por exemplo, se as moléculas estão se quebrando”, acrescenta.

Por fim, ele ainda fala de uma questão mais corriqueira e que é motivo de alerta permanente para todas as cidades em outros espaços: a possível proliferação do mosquito da dengue. A Tecsis, conforme ele, já desenvolvia algumas atividades logo após o processo de produção para evitar o problema, como armazenar as pás de forma que não houvesse acúmulo de água.

Solução

Conforme o engenheiro, a melhor solução seria reaproveitar os componentes que integram a pá eólica de forma separada, mas o Brasil não dispõe dessa tecnologia, que existe na França e na Alemanha, por exemplo. É possível, disse, o aproveitamento, por exemplo, na fabricação de cimento. Sem outra alternativa para a questão atual, e de forma controlada, o engenheiro sugere o corte para o transporte e a destinação final adequada.

Toubia desenvolveu um estudo sobre as possibilidades de recuperação de resíduos provenientes da fabricação de pás eólicas, em especial, após sua vida útil, em torno de 20 anos. “No Brasil isso não é um problema, mas fora do Brasil ele existe, porque há parques eólicos há mais de 30 anos”, conta. Esse problema deverá afetar o Brasil, segundo estimativa do engenheiro, a partir de 2025.