Acolhimento e cerimoniais adequados buscam homenagear as histórias deixadas
Cerimônias de despedidas devem ser vistas como homenagens à história dos que já se foram
A pandemia da Covid-19 fez com que os debates sobre a importância das cerimônias de despedida se acentuassem. Afinal, este momento de dor é inerente à condição humana, mas tornou-se muito mais frequente e próximo de todos no último ano e meio. Por isso, é importante ressaltar que o acolhimento e os cerimoniais que homenageiam a história de vida buscam, de algum modo, confortar os enlutados, de acordo com as gerentes da Organização Funerária das Entidades Beneficentes e Assistenciais de Sorocaba (Ofebas).
Tudo precisa estar perfeito para esse momento de adeus. Nenhum detalhe pode passar despercebido. O momento mais delicado da vida de uma pessoa, em que acontece a entrega de um amigo ou familiar, deve ser respeitado, como conta a gerente comercial da Ofebas, Gleice Leitão. “A pessoa que chegou aqui não é um corpo, é a ‘dona Maria’, e é assim que ela deve ser tratada”, diz.
Uma empresa no ramo funerário deve ser sempre um local de confiança e com profissionais preparados, de forma a entender o que aquele momento significa. É preciso cuidar de todos os detalhes para que essa despedida aconteça de uma forma humanizada, de acordo com Gleice. “É preciso ter respeito à história de vida daquela pessoa. Eu não a conhecia, mas ela pode ter sido ‘o mundo’ para alguma outra pessoa. É um momento muito difícil e você tem de buscar um lugar que esteja preparado”, completa Gleice.
A gerente geral da Ofebas, Patrícia Peixoto, conta que as funerárias, de modo geral, estão preparadas para lidar com esse momento sensível que é a morte. “Depois que passa esse processo de luto, esse sofrimento, você consegue lembrar das boas histórias, das memórias positivas, e isso é muito importante. O cerimonial pode ser transformado numa despedida da história de vida que aquela pessoa deixou”, diz Patrícia.
A psicóloga Andressa Fidelis, especialista em luto que trabalha em parceria com a funerária, diz que essas cerimônias simbolizam um espaço para compreender a sua perda e receber apoio de outras pessoas. Além disso, o formato dessa cerimonia deve fazer sentido para os familiares. “Ouvir histórias, relembrar bons momentos, receber um abraço e chorar junto são gestos que serão lembrados durante o processo de luto e que trazem conforto e acolhimento”, explica.
Perder algum ente querido pode causar muitos impactos aos que ficaram, como relata a psicóloga. “Quando perdemos alguém que amamos é como se o mundo que a gente conhece tivesse desaparecido. Nos sentimos muito perdidos”. Ainda de acordo com Andressa, nos primeiros momentos após a morte, a capacidade de organizar os pensamentos pode ficar prejudicada e existe dificuldade em entender o que está acontecendo e em tomar decisões.
Por isso, a Ofebas, entidade sem fins lucrativos, investe constantemente em treinamento para melhor capacitação da sua equipe e vem evoluindo ainda mais para oferecer um atendimento sensível e que respeite a história de todos que passam por lá. “Independentemente da idade com a qual ela se foi, ela participou da vida de alguém e deixou uma marca. Ela deixa um legado, deixa um sentimento”, diz Patrícia.
Acolhimento deve ir além do velório
Outro fator levado em consideração vai além do luto. Há questões práticas, como a vida financeira das famílias, que podem provocar muita angústia. Assim, o acolhimento das famílias de forma empática, respeitosa e amorosa pode ajudar no processo, diz a especialista em luto Andressa Fidelis. “O luto vai muito além do velório e do funeral. A perda de uma pessoa não é apenas a ausência física dela. Pode ser que a pessoa falecida era o ganha-pão da família e a morte dela traz, além da dor da perda, preocupações com a manutenção da casa e pagamento das contas”, exemplifica. Nesses casos, ser orientado sobre benefícios disponíveis, como consegui-los, e receber apoio em geral, pode fazer a diferença.
Quem realiza esses encaminhamentos às famílias que procuram a Ofebas é a assistente social Christiane Moura. Ela explica os trabalhos de acolhimento e assessoramento social: “Quando a família chega ao serviço social, ela já recebeu todos os ‘nãos’. Ela chega não só vulnerável financeiramente, mas psicologicamente e num momento extremo de dor”. Christiane continua: “Após aproximadamente 25 dias do luto corrido, a família é assessorada quanto aos direitos sociais e legais. Por exemplo, é orientada caso tenha direito à pensão por morte; se é necessário fazer inventário, entre outras situações. Nós fazemos encaminhamentos; agendamos no INSS, na Defensoria; encaminhamos para o CRAS ou para o Fundo Social, ou seja, para a rede pública que temos disponível”, explica.
A funerária também conta com parceiros que realizam o atendimento psicológico dos familiares que se afetam profundamente com o luto. Christiane enaltece o trabalho desses psicólogos que, assim como Andressa, fazem o amparo das famílias. “Nós temos esse processo de trabalhar o luto para aqueles que precisam. Eles (os psicólogos) vão trabalhando esse processo de perda, mas, na verdade, eles detectam muito mais coisas ao longo da conversa. O intuito é acolher a família”, afirma.
A psicóloga Andressa acredita que a sociedade dá pouco espaço para o luto e a tristeza. “A sociedade deseja que estejamos sempre bem e felizes e que sigamos a vida, o que pode fazer com que o enlutado se isole. Ter locais e profissionais que possam ouvir e amparar essas pessoas pode contribuir para tornar o processo de luto menos difícil, mais manejável e fazer com que ele não se estenda além do necessário”, contou ela.
Para cada dor, uma dose de sensibilidade
A fim de evitar a contaminação pelo novo coronavírus, as famílias que perderam entes queridos para a doença tiveram de lidar com uma situação difícil, que é a ausência de velórios. Para a psicóloga Andressa Fidelis, esses familiares podem ter maior dificuldade durante o processo de luto. Por isso, ela ressalta que é preciso, ainda mais, buscar por alguma forma de cerimônia que faça sentido e que possibilite a despedida. “Poder ver o corpo da pessoa que perdemos nos ajuda a compreender melhor que a pessoa morreu de fato. Não poder ter esse cerimonial, despedir-se de quem se foi, pode ser extremamente doloroso”, descreve a especialista.
A gerente geral Patrícia Peixoto concorda. Ela conta que a entidade já nasceu com a missão de acolhimento à família, mas ressalta que o momento pandêmico trouxe uma evolução ao setor funerário, na tentativa de levar a despedida aos que não podem realizar velórios. “É muito difícil, para quem perde, não ter essa fase. As famílias que perderam um ente querido pela Covid não conseguiram se despedir”, relata.
Patrícia explica que as pessoas nunca estão preparadas para perder seus parentes e amigos, e que pular a etapa da confirmação pode prejudicar o processo dos enlutados. “Essas famílias viram a pessoa entrar no hospital andando e não tiveram mais nenhum contato. Elas não viram, em nenhum momento, a pessoa ficar melhor ou pior, e receberam a notícia da morte”, continua. “Acontecia de a família vir para a funerária para tratar do óbito, sem ver o seu ente querido”. Ela conta que os colaboradores da Ofebas viveram a dor e a angústia das pessoas que não velaram os seus entes queridos.
Amor, respeito e propósito
Para Patrícia, trabalhar na Ofebas é uma oportunidade de enxergar a vida de outra maneira. “Todos os dias temos a possibilidade de oferecer um serviço de acolhimento humanizado para esse momento”.
É justamente essa palavra, “acolhimento”, que define a missão da Ofebas. As famílias podem escolher uma cerimônia para registrar a história da pessoa que se foi, optando por diversos serviços, como chuva de pétalas, velório on-line, entre outros. As urnas também possuem conceitos que podem homenagear a vida que o falecido levou. “Nós temos, por exemplo, a urna Constelação. Nós estamos falando de uma pessoa com uma áurea iluminada, uma pessoa que marcou muita gente por ter essa leveza na alma, por ser uma pessoa que trazia tranquilidade”.
Conforme Patrícia, a Ofebas oferece toda a infraestrutura e mão de obra qualificada para dar às famílias condições para uma despedida digna da história, sem distinção de condição financeira. “As pessoas não conseguem enxergar, enquanto família, o que podem fazer na homenagem de despedida. A nossa função, enquanto instituição que está atendendo a essa família, é fazer com que ela saiba quais as possibilidades de que dispõem”, conta.