Projeto que altera planos de saúde não tem consenso entre deputados
Uma das mudanças previstas na matéria desobriga as operadoras a cobrir todas as doenças classificadas pela OMS
O projeto de lei que altera a chamada Lei de Planos de Saúde divide deputados federais da região de Sorocaba. A lei 9656/1998 obriga, entre outras determinações, as operadoras a oferecer coberturas para todos os tipos de doença. Um dos dispositivos do PL 7419/2006 que têm desagrado retira, justamente, essa obrigatoriedade. Segundo o Senado, a proposta cria um novo marco legal para o funcionamento de planos. Por outro lado, para entidades do setor, ela blinda as empresas e tira direitos dos clientes.
O projeto se originou a partir de uma única proposta, apresentada pelo senador Luiz Pontes (PSDB/CE), em 9 de agosto de 2006. A primeira matéria versava sobre a cobertura de despesas de acompanhante de menor de 18 anos em casos de internação, inclusive em Unidade de Terapia Intensiva (UTI) ou similar. Com o tempo, diversas outras propostas foram apensadas ao PL. Hoje, há mais de 250. O texto já foi aprovado no Senado Federal e, agora, tramita na Câmara dos Deputados. Para ser votado no Legislativo, aguarda parecer da Comissão Especial destinada a avaliá-lo.
Uma das mudanças previstas na matéria desobriga as operadoras a cobrir todas as doenças classificadas pela Organização Mundial da Saúde (OMS). Desta forma, doenças novas, como a Covid-19, poderiam ficar fora da cobertura. Outro ponto cria uma nova modalidade de plano ambulatorial, com cobertura reduzida. Nesse modelo, os usuários poderiam passar por consultas e exames, mas não por procedimentos considerados complexos. Alguns exemplos são tratamentos oncológicos, aplicação de medicamentos para cura de efeitos adversos, hemodiálise e diálise peritoneal.
Além disso, o PL relativiza as penalidades para as empresas que se negarem a cobrir determinados procedimentos. Pelo projeto, elas seriam aplicadas de acordo com a complexidade do procedimento ou atendimento negado. O projeto de lei prevê, ainda, alteração no Estatuto do Idoso, para permitir reajustes nos valores dos planos desse público. Hoje, a prática é proibida pela legislação.
O deputado Capitão Derrite (Progressista) afirma, a princípio, ser contra o PL. “Em um primeiro momento, vejo como um projeto ruim para a população, já que desobriga as operadoras a oferecerem determinados serviços e desampara o consumidor em coberturas já habituais de seus planos de saúde”, diz.
Conforme Derrite, os usuários seriam os mais prejudicados pela mudança, por conta da redução na assistência. Por isso, considera que só as operadoras seriam beneficiadas. “O consumidor final só saíra perdendo, já que terá os direitos a coberturas reduzidos, não terá garantia de direitos como consumidor, já que as penalidades para as operadoras de saúde serão reduzidas e, em caso de descoberta de uma doença como o câncer, por exemplo, ficará desamparado do tratamento”, elenca.
Derrite ainda considera negativo debater a retirada de direitos no âmbito da saúde quando o Brasil e o mundo enfrentam uma pandemia. Para ele, a falta de amparo das empresas neste momento acarretaria em custos ao cliente final. Isto é, os consumidores teriam de pagar por alguns atendimentos. “Muitas pessoas deixaram de se cuidar durante a pandemia por conta do lockdown, deixaram de realizar exames preventivos, o quê, infelizmente, pode ter acarretado em danos mais sérios à saúde”, acredita.
O deputado afirma que, se o projeto continuar como está, votará contra. “Todos os pontos que retiram das operadoras obrigações já estabelecidas oneram o consumidor final, o que considero extremamente negativo”, justifica.
Assim como Derrite, o parlamentar Jefferson Campos (PSD) considera não ser o momento para debater a matéria, devido à pandemia de Covid-19. Segundo ele, há assuntos mais importantes para serem discutidos. “Não vejo com bons olhos a discussão da matéria nesse momento, principalmente neste ano que novamente estamos no enfrentamento à Covid-19. Temos que discutir pautas que coloquem o País no trilho do crescimento e garanta o acesso à saúde aos brasileiros”, opina.
Ele ainda cita a complexidade, o fato de a redação final não estar pronta, bem como não haver nenhuma definição quanto ao PL como outros motivos para adiar a análise. “Atualmente, encontra-se na comissão especial destinada a proferir um parecer sobre o projeto. Em geral, nas comissões, o projeto é bastante alterado”, argumenta. “Portanto, só posso dizer se sou favorável ou contrário no momento que ele estiver formatado e pronto para a votação. Mas sempre nossa posição será em favor de garantir os direitos da população e contrário a sobrecarregar ainda mais o nosso SUS”, pondera.
Campos lembra que a saúde é um direito garantido constitucional. Assim, acredita que, se os planos foram desobrigados, caberá ao Poder Público suprir as demandas deixadas. Ele defende a criação de outros modelos de assistência, mas diante da garantia da oferta de toda a assistência necessária. “Não sou contra a criação de novas modalidades de planos de saúde. A adesão é uma escolha entre as operadoras e o contratante, que ambos devem saber de seus direitos e deveres. Firmando o contrato, não podemos admitir a exclusão da operadora de saúde de atender qualquer doença”, pontua.
Os deputados Guiga Peixoto (PSL), Vitor Lippi (PSDB) e Herculano Passos (PSD) não retornaram à reportagem. (Vinícius Camargo)
Entidades veem prejuízos ao consumidor
Entidades do setor se manifestaram contra o projeto de lei. O Instituto Brasileiro de Defesa do Consumidor (Idec) diz que, ao prever assistências menos completas, o PL atende a interesses das operadoras. Igualmente deixa os clientes desprotegidos, porque eles não têm como prever as suas necessidades futuras. “Isso significa que o usuário, que não tem o poder de saber o que lhe ocorrerá no futuro, poderá se ver descoberto de proteção mesmo tendo pago a mensalidade do plano por meses ou anos, a depender da doença que apresentar.”
O Idec também critica a criação dos novos tipos de planos que ofereceriam diagnósticos, mas não tratamentos. Ainda desaprova o reajuste para idosos acima de 60 anos. “Os reajustes aplicados nas últimas faixas antes dos 60 anos são notoriamente mais altos que os aplicados nas demais faixas etárias, quando não abusivos”, declara. “Em lugar de resolver esse problema crônico e grave do mercado, o que a proposta faz é legalizar os aumentos discriminatórios contra as pessoas mais velhas e obrigá-las a arcar com reajustes até o fim da vida”, completa.
O Conselho Nacional de Saúde (CNS) igualmente repudiou o PL. Conforme o CNS, a aprovação da Lei de Planos de Saúde representou um marco. “Até a aprovação da Lei de Planos de Saúde, em 1998, as operadoras ofereciam planos com cobertura reduzida. Era comum o usuário contratar um plano e descobrir, no momento em que precisava do serviço, que sua demanda não estava coberta”, informa.
Por isso, vê a proposta um retrocesso, pois a sua aprovação aumentará a sobrecarga do Sistema Único de Saúde (SUS). “A exclusão de cobertura de procedimentos de alta e média complexidade levará mais pessoas a usarem o SUS somente para esses serviços, atrapalhando a organização da rede pública e obrigando-a a cobrir somente a parte mais cara da atenção à saúde”, alega. (Vinícius Camargo)