Inquérito sobre trabalho escravo de indígena foi arquivado por duplicidade, diz MPF
Agora, os documentos serão encaminhados ao relator, com imposição de multa aos investigados superior a R$ 100 mil
O Ministério Público Federal (MPF) teria arquivado um dos processos de trabalho análogo à escravidão sofrido por uma mulher indígena, em Sorocaba, por duplicidade. A informação foi confirmada pelo órgão à Folha de São Paulo, em reportagem publicada em 26 de maio. Ao Cruzeiro do Sul, o Ministério Público do Trabalho (MPT) informou que realmente existe a duplicidade citada pelo procurador do Ministério Público da União e que os dois processos de autuações encaminhados ao casal pelo Departamento de Combate ao Trabalho Escravo (Detrae) estão ainda em andamento, pois, há poucos dias, as defesas foram apresentadas. Agora, os documentos serão encaminhados ao relator, com imposição de multa aos investigados superior a R$ 100 mil.
O órgão ressalta, ainda, que o casal já foi notificado pelo MPT e Divisão de Fiscalização Regional de Sorocaba, não podendo chegar a menos de 100 metros da vítima, também sob pena de pagamento de R$ 100 mil por danos morais.
Porém, de acordo com as advogadas de defesa da indígena, Emanuela Barros e Melissa Constantino, a manifestação do MPF não fala em duplicidade, e sim que não houve indícios de crime de tráfico de seres humanos. Além disso, a defesa informa que a decisão foi baseada apenas na versão dos investigados, pois a mulher não chegou a ser ouvida pela Polícia Federal.
Em nota, a defesa ressalta, ainda, que a justificativa do MPF é de que “embora a trabalhadora doméstica não tenha tido seus direitos trabalhistas respeitados em sua integralidade, não estava submetida a trabalho forçado, jornada exaustiva ou a condições degradantes de trabalho, salientando-se que vivia sob as mesmas condições de higiene, saúde, alimentação, habitação e segurança de seus empregadores, desfrutando, inclusive, de folgas do trabalho e da possibilidade de realizar cursos de formação fora do ambiente residencial e de trabalho”.
Questionado pelo Cruzeiro do Sul, o MPF informou que o caso está em segredo de Justiça, portanto, não há informações a serem confirmadas no momento.
O caso
O caso ganhou repercussão em março deste ano após denúncias feitas ao Ministério Público do Trabalho por meio do Conselho Tutelar de Sorocaba. A jovem de 21 anos trabalhava no apartamento de um casal no Centro da cidade. Ela vivia na aldeia indígena Cartucho, no Amazonas, e soube da vaga em um anúncio no Facebook e veio para Sorocaba. Além de prestar os serviços como babá, também fazia trabalhos domésticos.
Segundo os relatos, a mulher dormia em um colchão no chão, não tinha folga aos finais de semana e, ainda, sofria assédio sexual. A vítima chegou a fugir do local e foi acolhida, primeiramente, por uma vizinha. Posteriormente, através do trabalho das advogadas em conjunto como MPT, a defesa informa que houve, então, a constatação de que a denúncia era verdadeira.
Assim, o casal teve de pagar cerca de R$ 20 mil para a vítima referente aos direitos trabalhistas e verbas rescisórias, que foram definidas por meio de um Termo de Ajustamento de Conduta (TAC) assinado pelo casal com o Ministério Público do Trabalho (MPT). Já em 16 de março, a 2ª Vara Criminal de Sorocaba concedeu uma medida protetiva para a jovem indígena, de acordo com a Lei Maria da Penha. Outra jovem indígena também já tinha sido trazida até a cidade pelo casal nas mesmas condições
Para a defesa, a decisão tomada a partir do pedido feito pelo MPF é equivocada, pois a força-tarefa realizada pelo Ministério Público do Trabalho (MPT) constatou que havia submissão da trabalhadora doméstica à condição análoga à escravidão, tendo como fator determinante para esse enquadramento as condições degradantes do trabalho, jornadas de trabalho excessivas, não pagamento do salário mínimo legal à trabalhadora e, segundo a defesa, ao contrário do que foi declarado pelo MPF, a vítima dormia no chão, por isso não gozava das mesmas condições de seus empregadores e ainda sofreu assédio sexual tendo o acusado confessado tal prática. (Vanessa Ferranti)